No meu último texto, ao abordar como a revisão da Lei da Nacionalidade passou da agenda do Chega para uma prioridade do Governo, prometi retomar a discussão sobre qual seria a estratégia mais adequada para os partidos democráticos lidarem com a ameaça extremista. Este tema não é novo, nem exclusivo de Portugal. Na verdade, somos apenas um exemplo de uma tendência mais ampla, que está a colocar em risco as democracias liberais.
De facto, não é a primeira vez que assistimos a ataques aos fundamentos dos regimes pluralistas, que parecem ser indomáveis. É claro que há aspetos específicos do momento atual, mas, infelizmente, há muitos paralelismos com as circunstâncias vividas há cem anos, no período entre guerras.
Quando olhamos para trás, conhecemos as histórias do fim da República de Weimar, da Marcha sobre Roma e da Guerra Civil Espanhola — três exemplos dramáticos do colapso de regimes liberais. Ou seja, sabemos como esses regimes falharam e como as instituições democráticas foram substituídas por autocracias. Contudo, são menos conhecidos os exemplos de sucesso, democracias que, mesmo enfrentando ameaças extremistas, conseguiram resistir.
A este respeito, recupero um artigo do cientista político italiano Giovanni Capoccia, publicado em 2001, intitulado Defender a Democracia: reações ao extremismo político na Europa de entre guerras. Quase vinte e cinco anos depois, vale a pena lê-lo. O exercício é fundamental: ao invés de estudar os regimes que evoluíram para autocracias, Capoccia procurou identificar os fatores que permitiram que algumas democracias resistissem às ameaças extremistas.
Analisando cuidadosamente a história política de três democracias que sobreviveram na década de 1930 — Bélgica, Checoslováquia e Finlândia — mesmo com a presença de partidos extremistas com forte representação parlamentar, Capoccia conclui que a chave para o sucesso foi a resposta estratégica dada pelos chefes de Estado e pelos partidos democráticos mais próximos dos movimentos extremistas, que ele chama de “partidos de fronteira”.
A eficácia dessas estratégias residiu invariavelmente na capacidade de Presidentes ou reis utilizarem a sua margem de autonomia para tomar decisões contrárias aos interesses dos partidos extremistas e, igualmente importante, na firmeza dos partidos de centro-direita e centro-esquerda em não fazerem coligações com os extremistas de direita ou esquerda, nem em incorporarem a sua agenda.
Os casos estudados revelam um dilema crucial: ou os partidos moderados formam uma frente comum contra o partido extremista em ascensão, encarando-o como um inimigo do sistema democrático, ou colocam os seus interesses eleitorais e políticos de curto prazo em primeiro lugar, abandonando o espaço de consenso. Quando os partidos moderados adotam uma postura centrífuga, cedendo às reivindicações dos extremistas e adotando as suas causas e linguagem, acabam, ao mesmo tempo, por perder espaço para os extremistas e acabam por contribuir para o declínio do regime democrático.
Hegel, ao refletir sobre a sua Filosofia da História, escreveu, numa asserção conhecida, que “as nações e os governos nunca aprenderam nada com a história e nunca atuaram de acordo com as lições que dela poderiam ter retirado”. O exemplo português aí está para demonstrar, hoje, mais uma vez, que a melhor forma de repetir erros do passado é simplesmente não conhecer a História.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico