Uma cimeira histórica para a NATO? | Opinião


A cimeira anual da NATO que terá lugar hoje e amanhã na Haia, Países Baixos, poderá ser a mais importante da sua história. A Aliança do Tratado do Atlântico Norte encontra-se numa situação irónica: adaptou-se e sobreviveu durante 30 anos após o fim da sua razão de ser histórica, a ameaça soviética, e encontra-se numa crise existencial precisamente quando a sua missão primordial volta a ser necessária, agora sob a forma do revisionismo de Putin.

Como explicar este paradoxo? A inércia própria das grandes burocracias é uma razão muitas vezes apontada para a continuidade da NATO na era pós-Guerra Fria. É verdade que as grandes organizações podem sobreviver à sua própria irrelevância durante algum tempo: basta lembrar que a Sociedade das Nações apenas foi dissolvida em 1946, depois de inúmeros falhanços ao longo dos anos 30, incluindo a impotência perante a agressividade da Alemanha Nazi.

No entanto, não faz sentido dizer que a NATO foi irrelevante desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. Se podemos resumir a sua justificação inicial com a necessidade de consolidar o Ocidente em face do bloco soviético, a NATO tinha outros propósitos que continuaram válidos. O propósito inicial da NATO era, na frase do seu primeiro secretário-geral, o britânico Hastings Ismay, “manter a União Soviética fora [da Europa], os americanos dentro, e os alemães em baixo”.

Só o primeiro destes objectivos – a necessidade de manter a URSS “fora da Europa” – desapareceu com o fim da Guerra Fria. O terceiro, “manter os alemães em baixo”, foi atingido, e de uma forma menos hostil do que a expressão faz parecer. Logo em 1990, a NATO deu aos países europeus a segurança necessária para promover a reunificação da Alemanha.

O segundo, “manter os americanos dentro”, também foi bem-sucedido e deu à Europa três décadas sob o “guarda-chuva de segurança” norte-americano. As despesas dos Estados foram redireccionadas para outras áreas, incluindo o Estado social.

O reverso da medalha é que a política externa dos europeus e da própria UE nunca pôde divergir significativamente dos interesses de Washington. O embaraço europeu tem sido evidente no Médio Oriente, apesar de alguns aliados da NATO terem discordado abertamente da Guerra do Iraque em 2003. Quando as lideranças europeias sentem que têm de escolher entre defender a conduta dos EUA ou as normas internacionais, tendem a escolher o primeiro.

O ataque dos EUA ao Irão na madrugada de sábado para domingo revelou a mesma dinâmica. A razão é simples: os líderes europeus vêem como essencial que Washington se mantenha investida na segurança europeia. No mínimo, precisam dos EUA para manter a Ucrânia à tona durante o tempo suficiente para que a indústria de defesa europeia se emancipe e as forças armadas deixem de depender de capacidades e equipamento norte-americanos. O debate em Portugal acerca da substituição dos caças F-16 revela bem essa preocupação.

O colapso da Ucrânia significaria o regresso à lógica das esferas da influência, criando uma zona de confronto permanente entre Rússia e Europa, desde o Árctico, passando pelos países bálticos e Europa central, até ao Mar Negro. A expressão “cortina de ferro” voltaria a ser de uso corrente. O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, põe a questão em termos mais concretos, dizendo que a Rússia poderá estar pronta para atacar a NATO dentro de cinco anos. A Europa não está preparada para esse cenário.

Na cimeira, Mark Rutte quer que os Estados-membros se comprometam com gastos anuais de 5% do PIB em defesa, a partir de 2032 ou 2035. Mesmo considerando que apenas 3,5% teriam de ser despendidos em defesa e os outros 1,5% poderiam ir para bens como infra-estruturas, capacidade logística e cibersegurança, esta é uma percentagem astronómica para Portugal, que nem cumpre os 2% estabelecidos em 2014. A Espanha já se colocou de fora e recebeu uma resposta positiva de Rutte.

Mesmo que se consiga esse compromisso, a NATO continuará a ter um problema chamado Donald Trump. Devido à sua personalidade errática e imprevisível, é possível que a Europa faça tudo o que os EUA pedem, incluindo os 5% em defesa e apoio político ao que vier a acontecer no Médio Oriente, e mesmo assim Trump desista de apoiar a Ucrânia e retire a confiança à NATO. A cimeira já foi reduzida de três para dois dias para evitar tensões com Trump, que na semana passada abandonou a reunião do G7 um dia antes do previsto. Este facto dá-nos uma ideia da relevância do “factor Trump” para o futuro da NATO.



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