Por um policiamento de proximidade mais próximo | Opinião


Numa altura em que o Programa do Governo (2025-2029) se encontra já em vigor, estando anunciado um reforço ao policiamento de proximidade (P.P.), face aos resultados atinentes à segurança interna verificados na atualidade, tem todo o sentido auscultar, afinal, o que o executivo entende por P.P. e indagar da adequação do modelo adotado para fazer face à situação constatada.

Desde 2006 que as nossas duas instituições policiais de visibilidade – PSP e GNR – se esforçam por ativar um Programa Integrado de Policiamento de Proximidade (PIPP), cujo impacto junto das comunidades, todavia, não se tem feito sentir como seria desejável. Acontecimentos graves ocorridos no país posteriores a 2006 (nomeadamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto – Quinta da Fonte/Loures (2008); Bairro do Aleixo/Porto (2008); Quinta da Princesa/Seixal (2009); Cova da Moura/Lisboa (2018); Bairro de Jamaica/Seixal (2019): Bairro do Cerco/Porto (2022); Bairro de Bela Vista/Setúbal (2023); Bairro do Zambujal (2024)) demonstram que o P.P., enquanto política pública, praticada nos moldes duma diretiva estratégica de um organismo policial – como é a da DE. n.º 10/2006 da DN/PSP – não alcançou o patamar desejável.

Na 1.ª referência à P.P. em 1985 pela então pró-ASPP/PSP (cfr. págss 148 e 244 – “Sindicalismo na PSP – Medos e Fantasmas em regime democrático”, Ed. Cosmos 2001), aí se defende, além do mais, uma polícia próxima do cidadão, numa conjugação com o empenho da comunidade na sua própria defesa. É a partir daí, face à criminalidade e ao sentimento de insegurança que vitimavam o país, que programas eleitorais passaram a destacar o P.P. como marcante para fazer face a esta quase calamidade social.

Sucede, porém, que o poder político nunca demonstrou o que entende por P.P., ora confundindo-o meramente como um policiamento de giro ou presencial, ora com um policiamento de visibilidade fardado, quando não mesmo musculado.

A realidade tem demonstrado que o modelo de P.P. seguido funciona mais como uma “manus longa” da polícia. Os Programas de Apoio à Vítima, Escola Segura, Ajuda aos Idosos e Crianças, Comércio Seguro e outros são, sem dúvida, iniciativas que integram o P.P., mas estão longe de esgotar este modelo. Também a Administração se tem empenhado através dos Conselhos Municipais de Segurança, e subsidiariamente pelos Contratos Municipais de Segurança. Porém, estas tentativas não se têm revelado produtivas, porque os conselhos funcionam de cima para baixo, ou seja, com o predomínio de representantes institucionais sem ter em conta a participação organizada e qualificada dos cidadãos.

Reclama-se por mais polícias e o executivo entendeu acrescentar mais 1500 agentes. E a solução esgota-se aqui? Salvo o devido respeito, trata-se de uma meia solução, não indo ao fundo das motivações da insegurança, que contextualizam as raízes do mal social. Há dados e razões sociais que ficam por esclarecer.

Esta situação exige uma análise multifacetada e multidisciplinar. Na verdade, o P.P. exige mais –​ é a confiança do cidadão. É neste fator anímico que reside a base da Parceria Polícia-Cidadão. Não basta afirmá-la, é preciso ativá-la. O P.P. exige, por isso, este compromisso, como condição fundamental da segurança de uma dada circunscrição, atendendo às características próprias a ela inerentes. Eis porque o P.P. não segue um padrão uniforme, podendo variar de circunscrição para circunscrição.

Teoricamente, a segurança pode ser encarada sob dois prismas: o extrínseco, correspondente à segurança interna geral, levada cabo pela instituição policial, para o normal andamento da vida em sociedade; e o intrínseco, o que brota para a vivência do cidadão ao nível individual e em comunidade. Não se trata de indagar o que se espera da polícia, mas de contribuir para a segurança comunitária com o apoio da polícia.

Nesta perspetiva, estas duas formações securitárias complementam-se dando origem a um sentido abrangente da segurança. Todavia, se a primeira beneficia de um suporte organizativo institucional, já o segundo está condicionado por uma serie de fatores objetivos como o (des)ordenamento territorial; as (difíceis) condições sociais; a vivência familiar; o estatuto de imigrante; o aumento populacional; a problemática de ocupação dos tempos livres dos jovens e a consequente delinquência e formação de ‘gangs’; a criminalidade formigueira – fatores estes que, no seu conjunto, são determinantes na definição do elemento subjetivo que enferma o sentimento endémico de insegurança e instabilidade. O grande dilema do P.P. enquanto sistema é saber atuar neste condicionalismo tendo, portanto, em conta estas variáveis.

O P.P. não é senão o policiamento tradicional mais a confiança do cidadão. Ora, esta confiança tem de ser conquistada. Neste domínio, se a visibilidade policial é uma natural característica securitária, há que não confundir, todavia, o P.P. com o policiamento de visibilidade. O policiamento que se deseja é a resultante de uma aproximação mútua, norteado pelo binómio polícia-comunidade. Eis porque a designação “proximidade” só pode ter sentido quando o envolvimento do cidadão (comunidade) se coloca no mesmo plano que o da polícia. No fundo, o P.P. mais não se reveste senão de uma complementaridade ativa polícia-comunidade.

Reforçar o P.P. é, por isso, uma falácia. Impõe-se, isso sim, consagrar o verdadeiro fundamento e viabilizar os reais pressupostos em que este tipo de policiamento tem de assentar, para ser eficaz.

Vejamos, então, o que de inovador se sugere através deste novo visionamento:

  • Assumido o P.P. como uma política pública e não apenas como uma modalidade de policiamento, a mesma tem de assumir a grandeza de um projeto nacional, assente numa lei a emanar da Assembleia da República, cabendo ao legislador determinar o apropriado conteúdo, face à filosofia, natureza e forma inovadora deste tipo de policiamento;
  • Sem prejuízo das coordenadas gerais e comuns dos municípios, o modelo de P.P. é uma variável consoante as peculiaridades de cada circunscrição;
  • O endosso às autarquias do ónus de exequibilidade do projeto de P.P. implica assegurar previamente o adequado financiamento, atendendo às especificidades de cada circunscrição;
  • O P.P., pressupondo o envolvimento da polícia institucional, tem uma profunda componente social, não dispensando os serviços permanentes e gabinetes em matéria de demografia, urbanização e sociologia;
  • Alguns aspetos a ter em conta: a questão orçamental; a instalação disponível pela edilidade (distinta da instituição policial clássica); gabinete de atendimento; Serviços da Equipa (não Conselho) Local de P.P. permanente; recrutamento de agentes policiais preferentemente pertencentes à circunscrição e sua formação ético-social e cívica por cursos a ministrar nas Escola Superior e Escola Prática das polícias; metodologia de aferição, avaliação e vivificação periódicas; obrigatoriedade da atividade regular dos Conselhos Municipais de Segurança; a intercomunicação entre departamentos de P.P vicinais.

O que tem os responsáveis político-partidários a dizer sobre esta questão?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico



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