Houve fogo-de-artifício, mas o FC Porto regressou cedo a casa na noite de São João | Crónica de jogo

Acabou a aventura do FC Porto no Mundial de clubes. Em Nova Jérsia, as poucas qualidades que os “dragões” têm mostrado desde que Martín Anselmi tomou conta da equipa foram esmagadas pelos erros recorrentes que têm acumulado, e o empate generoso diante do Al Ahly (4-4) não chegou para mais do que o terceiro lugar do Grupo A, com os mesmos dois pontos dos egípcios. Foi uma noite de São João vivida à distância, com muito fogo-de-artifício e um regresso precoce a casa.

É difícil encontrar um meio termo no FC Porto de Anselmi, uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde em movimento. Ora é quente ou frio, ora é claro ou escuro, ora é actor principal ou figurante. Parece alérgico aos equilíbrios e à estabilidade e isso, em alta competição, é um convite ao naufrágio, mesmo quando um ou outro talentos individuais lançam uma bóia de salvação.

No Metlife Stadium, palco no qual se tinham estreado diante do Palmeiras, os “dragões” entraram com três alterações face à 2.ª jornada: Eustáquio no lugar de Martim Fernandes, William Gomes no de Gabri Veiga, Namaso no de Samu. O que ganhou, sempre na dinâmica de um 3x4x3 com muitas trocas posicionais? Maior velocidade à largura e mobilidade no corredor central. O que perdeu? Autoridade no jogo aéreo e capacidade de segurar os centrais contrários.

William Gomes incisivo

Com velocidade na circulação e a variar com agilidade o centro do jogo, o FC Porto entrou a todo o gás. Atrás, Eustáquio alternava com Fábio Vieira ou com um dos laterais na primeira fase de construção; na frente, Namaso baixava em apoio para arrastar os centrais e permitir que Rodrigo Mora rompesse no espaço. Se fosse possível combinar por dentro, a bola entrava, se não fosse, rodava para a lateral, onde William Gomes disparava no um contra um.

O Al Ahly estava a ter dificuldades sem bola, mas bastou um erro do adversário para lhe aplicar um castigo. Namaso fez um passe disparatado para Eustáquio, activando a transição ofensiva rápida dos egípcios, que contaram com Abou Ali certeiro no momento da finalização – remate cruzado, bola ao segundo poste, longe do alcance de Cláudio Ramos (15′).

Mesmo em desvantagem, e num momento de dúvida imposta pelos resultados e exibições pouco convincentes, o FC Porto não deitou fora o plano de jogo. Insistiu no guião e acabou premiado aos 23′, quando Rodrigo Mora ganhou um ressalto à entrada da área (num lance bem trabalhado no corredor central) para se isolar, contornar o guarda-redes e finalizar com classe.

Poderia (deveria?) ter sido o tónico para a equipa portuguesa tomar as rédeas do jogo, mas aconteceu o oposto. Do 80 passou ao 8, baixou a velocidade de circulação e permitiu que o Al Ahly, mais forte nos duelos, começasse a ganhar ascendente. Essencialmente no momento da perda da bola, a transição defensiva era deficiente e os egípcios, com Trezeguet e Zizo em destaque, foram explorando essencialmente as costas de João Mário, sempre muito profundo.

Na sequência desses movimentos verticais, Cláudio Ramos somou um par de boas defesas, mas nada conseguiu fazer aos 45+3′, quando Fábio Vieira, em esforço, cometeu falta para penálti. Abou Ali, internacional pela Palestina nascido na Dinamarca, aproveitou para bisar e levar os egípcios em vantagem para o intervalo.

Abou Ali vezes três

Martín Anselmi voltou a baralhar o xadrez no balneário, apostando em Samu (saiu Namaso) e em Gonçalo Borges (Alan Varela). E a entrada em cena mostrou a face mais risonha dos “dragões”, com William Gomes a receber livre na esquerda, a beneficiar do movimento vertical de Moura para criar o engodo e a puxar para o pé direito, culminando a jogada com um grande golo.

Era o momento da retoma, certo? Nem por isso, na jogada seguinte, aos 51′, uma triangulação muito simples no corredor direito do Al Ahly gerou um cruzamento para o espaço entre os centrais, onde o inevitável Abou Ali, pois claro, cabeceou com precisão para o 3-2, despejando novo balde de água gelada sobre uma equipa que teima em ir adormecendo em momentos críticos.

E como não há duas sem três, o arranque frenético do segundo tempo teve direito a novo golo. Foram três em quatro minutos, o último saído da cabeça de Samu, após um canto de Fábio Vieira. Na primeira vez em que tocou na bola na área egípcia, o espanhol facturou. Uma boa notícia para o FC Porto, à qual se juntou (no outro prato da balança) a saída por lesão de Abou Ali.

Não chegou, porém, para travar o ímpeto do Al Ahly. Muita facilidade em entrar no bloco adversário com um primeiro passe de ruptura, muita permissividade na chegada ao último terço, muita gente nas imediações da área e muita liberdade para finalizar: Ben Romdhane, médio de perfil mais defensivo, mostrou dotes de goleador, com um remate tremendo que Cláudio Ramos só conseguiu acompanhar com o olhar (64′).

Seguiram-se instantes de desnorte, de alguma anarquia. Anselmi acelerou as substituições (depois de Martim Fernandes, entraram Pepê e Gabri Veiga) na tentativa de estancar a hemorragia, de ganhar algum controlo. Em vão. Com o jogo partido, a superioridade física do Al Ahly tornava-se mais visível e os remates foram-se acumulando, mesmo que nem sempre traduzindo a tremedeira defensiva de cada vez que os egípcios aceleravam.

É verdade que ainda houve tempo para um falhanço clamoroso de Samu (a cruzamento de Gonçalo Borges), para outro de Kamal do lado contrário (já com Cláudio Ramos fora da jogada) a que se juntou mais um de Bencharki. O FC Porto era uma manta de retalhos, incapaz de aproveitar a falta de vontade ou aptidão do Al Ahly para gerir a vantagem com bola. Não o conseguiu colectivamente, mas ainda empatou num disparo de longa distância de Pepê, aos 89′.

Por essa altura, o Palmeiras já tinha recuperado de uma desvantagem de dois golos diante do Inter Miami, no outro jogo do grupo, o que significava que, acontecesse o que acontecesse em Nova Jérsia, os dois primeiros lugares estavam decididos. Mas para o FC Porto, errático como sempre, essas contas nunca chegaram a ser verdadeiramente relevantes.