O Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, reclamou para si os holofotes e o protagonismo que nas últimas cimeiras da NATO foi dado ao Presidente da Ucrânia: este ano, em vez de um lugar à mesa das discussões, o que foi oferecido a Volodymyr Zelensky foi apenas um convite para participar no jantar de gala oferecido pelo rei dos Países Baixos, nesta terça-feira.
O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, fez todos os possíveis para evitar um novo confronto entre Trump e Zelensky, como aquele que aconteceu quando o líder ucraniano visitou a Casa Branca e foi acusado de não se mostrar adequadamente grato pela ajuda dos EUA ao seu país.
O apoio da NATO à Ucrânia não deixará de ser mencionado num parágrafo da declaração final da cimeira, que tem cinco pontos e preenche uma página. Há um ano, na cimeira do 75.º aniversário da Aliança Atlântica, em Washington, as conclusões da cimeira foram apresentadas em 38 pontos e um anexo, onde os aliados assumiam um “Compromisso de Assistência de Longo Prazo à Ucrânia em Matéria de Segurança” (à margem dos trabalhos, multiplicaram-se os anúncios de doações de armamento e capacidades para a Ucrânia, com Zelensky a assinar uma série de acordos bilaterais).
Fontes da NATO desvalorizaram a referência “condensada” à Ucrânia no comunicado final, lembrando que a aliança trabalha na base da linguagem adoptada: foi isso que permitiu a Kiev manter intactas as suas aspirações de aderir à organização, que oficializou a sua política de portas abertas na cimeira de 2008, em Bucareste.
Desde a invasão em larga escala pela Rússia, em Fevereiro de 2022, que Zelensky reclama um convite formal para se juntar à aliança. Sabe que, enquanto se prolongar a guerra, isso não vai acontecer, mas os aliados têm repetido que um dia a Ucrânia fará parte da NATO, tendo confirmado, na cimeira de Washington, que a adesão da Ucrânia é “irreversível”. “O nosso apoio é inabalável e duradouro. Isso não vai mudar na quarta-feira”, assegurou Rutte.
Mas se o programa não se alterou, pelo menos a abordagem do secretário-geral da NATO sofreu uma mudança de 180 graus para acomodar a política da Administração Trump — que deixou, por exemplo, de enviar dirigentes de topo para as reuniões do chamado Grupo de Contacto para a Defesa da Ucrânia, que coordena a ajuda militar entregue a Kiev.
“A Ucrânia e a relação com a Rússia foram deliberadamente deixadas de lado das conversas. Havia expectativas de que a Ucrânia pudesse voltar a ter um lugar de destaque, mas o Presidente Zelensky foi posto à margem e não participará nas conversações políticas da cimeira. Esta é uma questão séria que sinaliza que existem mais do que simples nuances na forma como a NATO vai lidar com o futuro da Ucrânia e também com as futuras relações com a Rússia”, afirma Camille Grand.
Para a directora do Programa para a Europa e Ásia Central do International Crisis Group, Olga Oliker, “o mais interessante na cimeira da NATO serão as coisas que não vão ser ditas em público, mas em que todos estão a pensar. No centro disso, está a incerteza sobre o grau de envolvimento dos EUA com que os aliados europeus podem contar no futuro”.
Por isso, “a tarefa dos aliados da NATO empenhados em apoiar a Ucrânia é transmitir a mensagem de que o seu apoio não só é inabalável e credível, como também é adequado para manter a Ucrânia na luta e para penalizar a Rússia, para que Moscovo venha para a mesa das negociações e aceite uma Ucrânia soberana com fortes laços com os seus parceiros”, diz, advertindo que “a Rússia vai estar atenta a esta cimeira na esperança de que Kiev seja abandonada”.
Tal como Volodymyr Zelensky, também os restantes parceiros da NATO, a União Europeia e os quatro países do Grupo da Ásia-Pacífico, ficaram de fora da cimeira de Haia. Os chefes de Estado e governo da Austrália, Coreia do Sul, Japão e Nova Zelândia, e os presidentes da Comissão e do Conselho Europeu, estão convidados para o jantar de gala, mas não participam nos trabalhos da cimeira, que foram reservados exclusivamente aos membros da aliança.
Ainda assim, Volodymyr Zelensky, Ursula von der Leyen e António Costa vão reunir-se, nesta terça-feira, com o secretário-geral da NATO. E está ainda previsto que o Presidente da Ucrânia intervenha num painel do Fórum Industrial de Defesa.
Nas semanas que antecederam a cimeira, várias delegações deram conta do seu desejo de incluir outros pontos na agenda de trabalhos. Portugal, um dos promotores do Plano de Acção para o Flanco Sul, insistiu em discutir os desafios e as ameaças da aliança numa abordagem de 360 graus, mas sem sucesso.