Aproveitando a passagem de um ano da aprovação do regulamento europeu do Restauro da Natureza, o Livre apresentou nesta terça-feira, 24 de Junho, um projecto de Resolução que se centra na Península de Tróia (distrito de Setúbal), que apela ao Governo para que garanta a protecção efectiva das áreas dunares e zonas húmidas, impedindo mesmo qualquer processo de urbanização ou construção turística. E também para que as organizações locais e a sociedade civil sejam envolvidas nos projectos de conservação e restauro da natureza.
“Estas leis às vezes parecem muito distantes, porque vêm de Bruxelas. Mas, na prática, as consequências são extremamente locais”, disse ao PÚBLICO Jorge Pinto, um dos deputados do Livre que apresentou o projecto de resolução. “O sistema dunar da região de Tróia e toda a parte das pradarias marinhas são absolutamente únicas no nosso país e têm um papel na preservação da biodiversidade local”, salientou, para explicar porque o olhar do Livre se centrou na região.
“Em Tróia há muitas dinâmicas, até políticas e sociológicas, às quais somos sensíveis, mas o que nos move neste projecto é a sua especificidade natural, os ecossistemas da região, e pela perda desta biodiversidade, ameaçada por muitas razões, incluindo este turismo de luxo que está a entrar na península, e que exige acção imediata”, afirma o deputado.
Agir rapidamente
“Importa, ainda no decorrer de 2025, planear acções e intervenções em alguns ecossistemas críticos e prioritários”, lê-se no documento que deu entrada nesta terça-feira na Assembleia da República. O documento pede ao Governo que se apresse em garantir a protecção efectiva de zonas fundamentais para a biodiversidade, como Tróia, mesmo antes de estar terminado o Plano Nacional de Restauro da Natureza. Todos os Estados da União Europeia têm de ter pronto o plano até Agosto de 2026. Em Fevereiro, o grupo de peritos encarregue de elaborar o plano português teve a primeira reunião.
“Mas isso não deveria partir só do Governo. Deveriam ser consultadas as organizações não-governamentais (ONG) ambientais, os cidadãos, pessoas que conhecem estes ecossistemas”, afirmou Jorge Pinto. Se não houver esse diálogo, salientou, “corre-se o risco de, mais tarde, haver conflitos causados pelo que está no plano de restauro da natureza”.
O património natural da península de Tróia já se encontra ameaçado de várias formas, lê-se no projecto de Resolução do Livre, sobretudo pelo crescimento urbanístico e turístico. “A população tem sido muito vocal na sua defesa. É importante preservar o que resta do território, evitar adicionar mais pressões e iniciar acções de restauro prioritárias”.
Recomendações ao Governo
É assim que o Livre propõe à Assembleia da República que delibere fazer três recomendações ao Governo:
A primeira é que “estude a integração das áreas dunares e zonas húmidas ainda não edificadas da Península de Tróia na Reserva Natural do Estuário do Sado, impedindo qualquer processo de urbanização ou construção turística nessas áreas”.
A segunda é que “revogue os planos de urbanização e projectos turísticos previstos para as Unidades Operativas de Planeamento (UNOP, áreas específicas na península de Tróia que estão sujeitas a planos de pormenor) 4, 7 e 8, bem como de quaisquer licenças ou autorizações administrativas que permitam a destruição de habitats naturais endémicos e protegidos”.
A terceira recomendação é que o Governo instrua o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e Parque Natural do Estuário do Sado para que definam e ponham em prática, “desde já, medidas prioritárias de intervenção e restauro nos ecossistemas dunares da Península de Tróia e das pradarias marinhas do estuário, dotando-os da verba necessária”.
Menciona ainda o novo pedido de realização de dragagens para melhoria da acessibilidade marítima ao Porto de Setúbal, que em 2018 foi alvo de grande contestação da população local, por falta de divulgação e participação efectiva na consulta pública, bem como o risco de desaparecimento das praias da Arrábida, devido a alterações na dinâmica sedimentar. “Em 2025, a sociedade civil denuncia a ausência dos resultados das medidas compensatórias e de monitorização exigidas pela Declaração de Impacte Ambiental das dragagens anteriores”, salienta o Livre. Pede, por isso, “uma avaliação séria dos impactos das dragagens anteriores para efectuar uma análise de custo-benefício ponderada e realista das novas dragagens”.
Nesta compilação das maiores preocupações na Península de Tróia, o Livre salienta ainda a “potencial construção de uma central dessalinizadora na região e a construção de um projecto imobiliário numa zona protegida da Rede Natura 2000, algo a que a sociedade civil também tem estado atenta”.
“Queremos acreditar que a esquerda parlamentar e o PAN nos acompanharão, mas gostaria muito que os partidos democráticos, nomeadamente o PSD, também compreendessem o que está em jogo e que o ganho financeiro imediato não compensa a perda da natureza a médio e longo prazo”, respondeu o deputado do Livre, quando interrogado sobre o apoio que espera ter para este projecto.
“Vou fazer aqui um pequeno desvio, porque esta é a minha área de formação, a minha área de paixão. A questão da preservação dos ecossistemas é talvez a mais urgente, porque é irreversível”, afirmou Jorge Pinto, que é engenheiro do ambiente de formação. “Se se acabar com um ecossistema único, como o de Tróia, não há como restaurá-lo. É um património natural único. Porque as pessoas mais ricas do planeta querem construir hotéis para si mesmas nesta área? Existem pouquíssimos assim no mundo”, frisa.
“Se permitirmos esse avanço do turismo de luxo, com pouquíssimas regras e pouquíssimo controlo, em muito pouco tempo, muito menos do que imaginamos, esse património único desaparecerá”, alertou Jorge Pinto.