Estudo: 83% dos portugueses poderiam fazer mais pelo clima, mas faltam bons exemplos | Alterações climáticas


A maioria da população portuguesa está ciente do impacto que as alterações climáticas podem ter nas próximas gerações, mas em muitos casos essa consciência não é suficiente para a mudança de comportamentos. Esta é uma das conclusões que saem de um estudo encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre a percepção dos desafios ambientais em Portugal, que é apresentado nesta quarta-feira em Lisboa na sede da fundação, e que mostra ainda que as organizações ambientais podem ter um papel importante em envolver a sociedade a tornar-se mais amiga do ambiente.

De acordo com as pessoas inquiridas, o tema das alterações climáticas vem em décimo lugar na lista das preocupações, muito atrás dos cuidados de saúde, da pobreza e a desigualdade social, e da corrupção.

Por outro lado, há uma percepção de que a adopção de comportamentos consonantes com a transição energética tem um custo. Ao todo, 83% das pessoas inquiridas dizem que poderiam fazer mais ou muito mais para terem um quotidiano mais sustentável, mas 52% desse subgrupo não o faz devido a “restrições financeiras”, lê-se no relatório feito pela Ipsos Apeme, empresa de estudos de mercado.









“Muitas vezes pomos as questões sociais versus questões ambientais e elas têm de ser pensadas de forma conjunta”, diz ao PÚBLICO Luís de Melo Jerónimo, director do Programa Sustentabilidade e Equidade da fundação, que encomendou o estudo. “Se nós não mostrarmos que trabalhar questões de sustentabilidade também significa melhorar a qualidade de vida das pessoas, não vamos garantir esse envolvimento.”

Segundo Melo Jerónimo, o estudo foi encomendado para perceber como actuar para se obter uma mudança no comportamento das pessoas. “Se não conseguirmos garantir um maior envolvimento dos cidadãos, certamente não conseguiremos cumprir as metas climáticas absolutamente vitais.” Serão as populações mais frágeis a nível socioeconómico que irão sofrer mais com aquele impacto, aumentando assim a desigualdade, recordou.









O problema dos jovens

Além da análise à população, houve também uma análise às organizações ambientais portuguesas para compreender que envolvimento é que existe entre estas organizações e as comunidades e o seu potencial. Ao todo, foram feitas 25 entrevistas individuais, houve 12 grupos de discussão (oito focados nos cidadãos e quatro nas organizações) e dois inquéritos nacionais online, um a 1509 cidadãos entre os 18 e os 65 anos e outro a 101 organizações ambientais. “É um estudo com dois olhares”, diz Filipa Dias, autora da investigação, ao PÚBLICO.

O trabalho distinguiu cinco grupos: 25% dos 1509 inquiridos são “entusiastas”, estão envolvidos numa mudança em prol do ambiente e têm confiança que isso está também a ocorrer no colectivo, mesmo havendo imperfeições; 27% são “esforçados”, estão disponíveis para alterar comportamentos, mas não “reconhecem esse compromisso na sociedade”, diz o estudo; 25% são os “receptivos”, despertos para o tema, mas que ainda não passaram à acção; há ainda 15% de “ocupados”, absorvidos nas suas rotinas diárias e pouco disponíveis a adoptar mais comportamentos pró-ambiente; finalmente, há 8% de “desinteressados”, que não estão envolvidos com as questões ambientais e “desvalorizam o seu contributo”.

“As pessoas têm noção de que é preciso agir já para proteger as gerações futuras”, analisa Filipa Dias. “No entanto, entre o ser importante e o ser urgente vai um hiato muito grande.”





Um facto surpreendente surge dos mais jovens – dos 18 aos 24 anos. Neste grupo, apenas 13% são entusiastas e há uma proporção maior desinteressada, 19%, e ocupada, também 19%. “Estes jovens têm preocupações muito relevantes. É a questão do desemprego, do custo de vida. É a geração que vê com muitos pontos de interrogação a possibilidade de acesso a uma casa”, observa a investigadora, defendendo uma consistência dos valores ambientais ao longo do percurso escolar, até à faculdade, e nas empresas, onde os jovens se inserem no mercado de trabalho.

Uma onda verde?

Filipa Dias explica que Portugal não se distingue tanto pelas pessoas porem outros temas, que não o clima, em primeiro lugar. “É transversal que pobreza e desigualdade, custo de vida tenham subido a pique [nas preocupações dos países] depois do início da guerra na Ucrânia” em 2022, refere. O que diferencia é a avaliação que se faz do espaço público. Apenas 21% dos portugueses “vê os espaços públicos como bons exemplos daquilo que são rotinas sustentáveis”, refere, apontando para a percepção negativa existente em relação à recolha de resíduos, à qualidade dos transportes públicos e das ciclovias, três sistemas com um papel relevante dentro da transição energética.

Um mau espaço público “cria alguma frustração”, afirma Filipa Dias, que defende a necessidade de investimento para que as coisas mudem. No caso dos transportes públicos, esse investimento não pode ser feito apenas na redução dos custos para os utentes, tem que ser feito também na sua qualidade.

Neste contexto, as organizações ambientais podem ter um papel importante, já que são avaliadas de uma forma positiva por parte dos inquiridos e têm uma maior proximidade com as comunidades “As organizações podem ser aqui um elemento pivô”, refere Filipa Dias. Elas podem interligar esforços com as autarquias, as escolas, as empresas e a comunicação social para transformarem as comunidades e o espaço público.

No entanto, falta a muitas destas organizações capacidade para chegarem a mais pessoas. Mais uma vez, é necessário financiamento. “O que as organizações dizem é que gostariam que o financiamento fosse feito pela missão que têm e não por projectos” avulsos, explica a investigadora.









Durante a investigação, Filipa Dias encontrou exemplos positivos de associações que estão a transformar as suas comunidades, como a Associação Verde e a Associação Rio Neiva, e que são motivos de inspiração. Mas argumenta que é necessária uma mudança em massa.

“Um entrevistado que era um ‘esforçado’ dizia às tantas: ‘Sentimos que precisamos disto, mas que está tudo muito atrasado, precisamos de uma onda verde’”, cita a investigadora. “Estamos a exigir uma mudança, mas temos de fazer parte da mudança, quem tem voz e poder tem de fazer com que a onda venha.”



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