A Quinta do Gato, em São Pedro do Sul, terroir de Lafões (na soalheira encosta do rio Troço, afluente do Vouga), região vitivinícola do Dão, lançou há cerca de 15 dias o seu primeiro tinto da mina — segundo foi sublinhado, dias depois, no 1.º Subaquatic Wine Tourism Experience, será também o único vinho com estágio submerso numa mina em Portugal. Deu-o a provar a um grupo de convidados que pôde ir pescar a garrafa à dita e, como deve ser, deu também a provar aos presentes o vinho “de controlo”. O Lugar do Gato “Da Mina” 2022 e o Lugar do Gato Reserva Tinto 2022. Sendo iguais, os dois vinhos são diferentes.
Provámos primeiro o “normal”. Cor aberta, 13,5% de álcool, cheiro a frutos vermelhos (durinhos, sem madureza) e um lado de silvado. Na boca, o vinho apresentou-se fresco, de uma frescura picante, e vinoso, bom.
Quando chegámos à versão “da mina”, percebemos que afinal o nariz fresco era esse. O vinho que tinha estado na mina não é só aromaticamente mais fresco — cheira ao mesmo silvado, mas é silvado de água, cheira àquelas silvas que grassam junto às margens das ribeiras —, na boca pareceu-nos mais incisivo, tem contornos mais bem definidos. A fruta é a mesma, mas o tanino mostrou-se mais definido e o final de boca prolonga-se mais um pouco.
Celeste, Carlos e o filho Paulo (entre os dois), à entrada da mina da Quinta do Gato, em Lafões
Adriano Miranda
O primeiro, o Reserva, ofereceu uma prova ligeiramente mais quente. E talvez estivesse mesmo um grau ou dois acima do tinto que saiu da mina onde estagiou 12 meses e onde a temperatura é constante e ronda os 15,5 graus centígrados. A Quinta do Gato lançou uma caixa com os dois tintos de 2022, o “o normal” e o que estagiou na mina; o conjunto custa 49€.
Depois de viverem largos anos na Suíça, nas encostas de Lavaux, Celeste Bento e a família decidiram regressar a Lafões, onde tinham raízes. Inspirados pela cultura vínica do cantão de Vaud, a segunda maior região vitivinícola da Suíça, decidiram nesse regresso plantar vinha, dois hectares e meio, corria o final da década de 1990, início dos anos 2000. O terroir era uma propriedade de família em S. Pedro do Sul, 10 hectares, onde há floresta e árvores de fruto, e onde Celeste e o marido Carlos Páscoa mantiveram “cordões de bordadura” que dão origem ao branco de cepas velhas da Lugar de Gato. Depois de anos de experimentação, a marca viria a nascer em 2021, carregando o nome do lugar e homenageando na sua imagem a gata da família, a Pintas.
“O projecto nasceu [verdadeiramente] em 2022, com a apresentação do [colheita] branco de 2021. Foi a primeira edição e fizemos apenas com 333 garrafas de branco”, explicou ao PÚBLICO Paulo Páscoa, o filho e quem gere o negócio, operações e marketing, tudo na verdade. O tinto desse mesmo ano seria lançado como reserva em 2023 (1700 garrafas), mas Paulo e os pais decidiram enfiar 400 garrafas da colheita de 2022 na mina.
É esse vinho que agora estão a lançar e que tencionam ir tirando da mina à medida que o forem vendido, até para que quem compra no local possa ter a experiência de entrar na mina, um canal exíguo onde só cabe uma pessoa e onde temos de andar abaixados para não bater a cabeça — as garrafas, dispostas em caixas de plástico, daquelas que se usam nos hortofrutícolas, estão literalmente submersas na água fria da nascente que está ali desde que a propriedade foi comprada pelo pai de Celeste, há cerca de 60 anos.
Nas bordaduras que virão desses tempos, tempos em que a parte arável e os socalcos, a cerca de 300 metros de altitude, eram para a cultura do milho, há Malvasia Fina, Arinto, Dona Branca, Uva-Cão, Bical e Fernão Pires, entre outras castas brancas. Na vinha “nova”, plantaram Touriga Nacional, Jaen, Alfrocheiro e Tinta Roriz. Numa zona de transição entre Lafões e o resto do Dão, com boa exposição solar e proximidade ao rio, os vinhos beneficiam de um microclima favorável a conservar acidez e frescura e à manutenção de teores alcoólicos ditos baixos hoje em dia, “tintos na ordem dos 13 / 14 graus”. Tudo factores que a família tem o prazer de explicar a quem visita a quinta e a adega para provas: a partir de 25€ por pessoa, dão a provar pelo menos três dos seus vinhos e também “azeite e mel de produção própria”, explica Celeste, que é quem normalmente orienta as visitas.
Durante duas décadas a família vendeu o seu vinho, principalmente tinto, a granel. Foi António Pina, o enólogo da Quinta do Gato, quem sugeriu, em boa hora, que a família desse “o salto” e criasse uma marca. Evitam “ao máximo usar herbicidas”, fazem “muita limpeza com ovelhas, máquinas de fio e triturador”, para que haja “um regenerar do solo”, mas num terroir de humidade e frescura a viticultura nem sempre é fácil. São Celeste e Carlos, já reformados, quem trabalha a vinha.
A centenária região vitivinícola de Lafões (hoje sub-região do Dão) abarca os concelhos de São Pedro do Sul, Oliveira de Frades e Vouzela, de solos graníticos, pobres, onde o clima é temperado marítimo e há boa amplitude térmica. Já teve outra dimensão, com vários produtores e marcas, mas depois da falência da adega cooperativa local (a quem a família Bento Páscoa chegou a entregar uvas “no início”) a região definhou. A Quinta do Gato produz apenas 8 a 10 mil litros de vinho por ano e de uma área pequena faz vinho tinto, branco e rosado.
Tem “uma microprodução”, à semelhança do que acontece com a meia dezena de produtores que se juntam a este produtor num ressurgimento tímido mas empenhado do terroir Lafões. Prova do crescimento de uma interessante massa crítica em Lafões é a revisão das regras da Denominação de Origem (DO) “Lafões” feita no final de 2023: deixou de ser obrigatório ter 85% de uma só casta e as uvas dos “cordões” já podem entrar nos vinhos da DO.
Nome Lugar do Gato Reserva Tinto 2022
Produtor Quinta do Gato;
Castas Touriga Nacional, Jaen e Alfrocheiro
Região Dão
Grau alcoólico 13,5%
Preço (euros) 49 (em conjunto com o tinto “Da Mina”)
Pontuação 89
Autor Ana Isabel Pereira
Notas de prova Este tinto de Lafões, e de um projecto familiar nascido em 2021, tem berço em solos franco-arenosos com influência granítica, estagiou durante um ano em barricas usadas de carvalho francês e foi engarrafado em maio de 2024. Tem cor aberta, 13,5% de álcool — um valor abaixo da média, o que nos dias que correm é coisa rara, mas cada vez mais bem recebida —, e cheira a frutos vermelhos (durinhos, sem madureza) e a silvado. Na boca, apresenta-se fresco, de uma frescura picante, e vinoso, bom. Foi lançado num conjunto que inclui uma versão do mesmo vinho estagiada de forma submersa na água da mina que existe na Quinta do Gato.
Nome Lugar do Gato “Da Mina” Tinto 2022
Produtor Quinta do Gato;
Castas Touriga Nacional, Jaen e Alfrocheiro
Região Dão
Grau alcoólico 13,5%
Preço (euros) 49 (em conjunto com o Reserva tinto)
Pontuação 90
Autor Ana Isabel Pereira
Notas de prova Provámos este Lugar do Gato “Da Mina” Tinto 2022 lado a lado com a sua versão “normal” (o reserva tinto do mesmo ano) e, na comparação, parece ser inequívoco que o estágio de 12 meses que este teve na mina da Quinta do Gato faz diferença. Uma diferença boa. O “Da Mina” tem um nariz mais fresco — a fruta é a mesma e o vinho cheira ao mesmo silvado, mas é silvado de água, cheira àquelas silvas que grassam junto às margens das ribeiras —, e a boca é mais incisiva. O vinho tem contornos mais bem definidos: o tanino mostra-se mais definido e o final de boca prolonga-se mais um pouco. O produtor lançou uma caixa de dois vinhos, em que inclui também a versão que teve estágio submerso.