Crise climática vai “empurrar” tartarugas das áreas protegidas para rotas marítimas | Oceano


À medida que o oceano sobreaquece, as tartarugas-marinhas tenderão a abandonar os locais onde hoje param para comer ou depositar os ovos. Mais de 50% dos habitats actuais destes répteis podem desaparecer até 2050 em cenários climáticos extremos, estima um estudo publicado esta quarta-feira na revista Science Advances.

Ao deslocarem-se à procura de águas menos quentes, estas espécies podem afastar-se de Áreas Marinhas Protegidas e entrar em territórios perigosos, onde é grande o risco de colisão com embarcações. É por isso que os autores do estudo recomendam que as medidas de conservação sejam desenhadas a pensar não só no presente, mas também no futuro. Se o clima está a mudar, a forma como protegemos espécies ameaçadas tem de reflectir tais mudanças.

“À medida que as alterações climáticas empurram as tartarugas-marinhas para fora dos trópicos, elas dirigem-se directamente para zonas de tráfego marítimo intenso — criando novos riscos e revelando a necessidade urgente de estratégias de conservação dinâmicas e voltadas para o futuro, que vão além das áreas protegidas estáticas”, explica ao Azul o co-autor Denis Fournier, que assina o estudo publicado na Science Advances com Edouard Duquesne.

Conservação dinâmica

Denis Fournier explica que este trabalho contribui para “uma estrutura de conservação dinâmica”, ou seja, uma forma flexível de pensar a protecção da natureza. “Este modelo vai além das Áreas Marinhas Protegidas estáticas e propõe estratégias adaptativas em tempo real que podem responder às condições oceânicas em rápida mudança”, afirma o investigador.

As conclusões do estudo corroboram as discussões que tiveram lugar na 3.ª Conferência do Oceano das Nações Unidas (UNOC, na sigla em inglês), realizada este mês, na cidade francesa de Nice. Durante a cimeira, registaram-se apelos à criação de “uma nova geração de Áreas Marinhas Protegidas”, recorda Denis Fournier, em linha com a meta de proteger 30% do oceano até 2030.

“Numa altura em que a comunidade global se mobiliza em torno da protecção do oceano, o nosso estudo fornece evidências científicas concretas para apoiar essa mudança — destacando a necessidade de protecções adaptáveis e inteligentes em termos climáticos que sigam as tartarugas para onde elas vão, e não apenas onde estiveram”, resume Denis Fournier.

Além da adopção de um modelo dinâmico de áreas de protecção, o estudo também sugere limites de velocidade para embarcações nos locais por onde passam as tartarugas marinhas. “Velocidades mais baixas têm demonstrado reduzir significativamente a probabilidade e a gravidade das colisões” com grandes vertebrados marinhos, lê-se no estudo, referindo-se não só a tartarugas, mas também a baleias, tubarões, golfinhos e focas.

Como foi feito o estudo?

Os investigadores Edouard Duquesne e Denis Fournier usaram uma combinação de dados biológicos e ambientais para prever onde as tartarugas marinhas estão agora e, consoante o aquecimento do oceano, quais serão os novos habitats das espécies em 2050 e 2100.

“Reunimos 27.703 registos de avistamentos de tartarugas-marinhas em todo o mundo entre 2000 e 2024 e limpamos esses dados brutos para remover erros. Em seguida, colectamos dados ambientais como temperatura da água, oxigénio, profundidade e produtividade oceânica, ou seja, factores que interferem nas áreas onde as tartarugas podem viver”, detalha Denis Fournier, numa resposta ao Azul.

Usando modelos computacionais descritos como “poderosos”, os investigadores produziram mapas de habitat para cada espécie nas condições actuais e projectaram mapas futuros para os anos 2050 e 2100 em três cenários climáticos diferentes, representando emissões de carbono baixas, médias e altas para esse intervalo, seguindo parâmetros do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas.

“Por fim, sobrepusemos esses mapas com rotas marítimas e zonas protegidas para identificar onde as tartarugas estarão mais em risco no futuro”, conclui Denis Fournier, investigador em ecologia e biologia evolucionária na Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.

O estudo também analisa a sobreposição entre os futuros habitats das tartarugas e as Áreas Marinhas Protegidas e Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) existentes hoje, revelando grandes lacunas na cobertura de conservação actual.

“Esta abordagem abrangente permitiu-nos identificar pontos cegos onde a protecção é urgentemente necessária: apenas 23% dos pontos críticos actuais estão dentro de Áreas Marinhas Protegidas, apesar de toda a atenção global que as tartarugas marinhas recebem em termos de conservação”, lamenta Denis Fournier.

Seis espécies ameaçadas

Seis das sete espécies existentes de tartarugas-marinhas estão hoje classificadas como ameaçadas de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza, a saber: a tartaruga-comum (Caretta caretta), tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), tartaruga-de-kemp (Lepidochelys kempii) tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) e tartaruga-verde (Chelonia mydas).

A tartaruga-marinha-autraliana (Natator depressus) não tem uma classificação atribuída por falta de dados, mas também foi considerada no estudo. “O nosso estudo é o primeiro a modelar a distribuição global futura de todas as sete espécies de tartarugas marinhas sob vários cenários de alterações climáticas. O que o diferencia é a integração de modelos de habitat de alta resolução com dados reais de tráfego marítimo, permitindo-nos avaliar não apenas para onde as tartarugas se deslocarão, mas também onde enfrentarão os maiores riscos – especialmente de colisões com embarcações”, afirma Denis Fournier.

As projecções elaboradas por Edouard Duquesne e Denis Fournier indicam um aumento do risco de colisão à medida que as tartarugas migrarem em direcção a algumas das regiões com maior tráfego marítimo, como é o caso do mar da China Oriental, mar do Norte e do Mediterrâneo.

“Dado que se prevê um aumento significativo da actividade marítima global, entre 250% e 1209% até 2050, o risco de colisões entre navios deverá aumentar significativamente”, refere o estudo publicado na Science Advances.

As tartarugas-marinhas são criaturas migratórias, ou seja, ocupam diferentes habitats ao longo das diferentes fases da vida. Esta variabilidade geográfica “complica as previsões” e torna o desenho de estratégias de conservação mais complexo, admite Denis Fournier. “A qualidade, consistência e precisão espacial dos dados de ocorrência e da informação ambiental podem ser um desafio, especialmente em escala global”, acrescenta o investigador.

Além do aquecimento das águas salgadas, a crise climática oferece outros obstáculos às tartarugas marinhas tanto em habitats aquáticos como em terrestres. A subida do nível médio do mar, por exemplo, pode devorar os areais e deixar as tartarugas sem lugar para pôr ovos.

Por outro lado, a subida dos termómetros desequilibra a proporção entre tartarugas machos e fêmeas, uma vez que a temperatura de incubação dos ovos condiciona o sexo das crias. Num mundo cada vez mais quente, a tendência é que as populações de tartaruga sejam compostas por mais fêmeas do que machos.



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