Em Wittelsheim, uma antiga cidade industrial na região da Alsácia, em França, há 42 mil toneladas de resíduos tóxicos armazenados debaixo do solo. O espaço desta antiga mina, conhecida como Stocamine, equivale a sete campos de futebol e armazena arsénico, mercúrio, outros metais pesados, cianeto, resíduos de incineradoras de lixo doméstico e até mesmo resíduos ilegais.
Por cima deste reservatório, que ocupa o espaço de uma antiga mina de potassa (nome dado à variedades de carbonatos de potássio impuros), encontra-se o aquífero da Alsácia, que alimenta um dos maiores aquíferos do continente europeu, o aquífero do Alto Reno, que percorre França, Alemanha e Suíça.
Existe o risco de que Stocamine possa contaminar estas águas, pondo em causa a água potável de milhões de pessoas nos vários países que atravessa, afirma a Comunidade Europeia da Alsácia (CEA). As substâncias presentes na antiga mina têm sido associadas à morte em massa de vida selvagem naquela região, algo que pode ter consequências graves e duradouras nos ecossistemas. O colectivo local Destocamine afirma que o local é uma “bomba-relógio para as gerações futuras”.
Na semana passada, a 17 de Junho, um juiz apoiou a medida do Governo francês de manter os resíduos naquele local e cobri-los com toneladas de betão para evitar que se espalhem. O jornal Le Monde noticiou na semana passada que o tribunal administrativo de Estrasburgo rejeitou os recursos apresentados pela CEA e pela Alsace Nature, uma organização dedicada à protecção da natureza na Alsácia, que contestam a decisão.
Um túmulo eterno para os resíduos
O local onde se acumulam milhares de toneladas de resíduos tóxicos localiza-se a cerca de 500 metros de profundidade e possui 125 quilómetros de túneis criados para a antiga exploração mineira de potássio. Trata-se de uma “história interminável”, como descreve o jornal Le Monde, prolongando-se ao longo de mais de três décadas.
Uma reportagem do jornal The Guardian descreve que a prática de encher antigas minas com resíduos tóxicos tem sido recorrente ao longo dos anos, pelas autoridades e pelos produtores dos resíduos em questão. As minas são vistas como um local seguro, uma espécie de túmulo eterno para armazenar os resíduos. No caso de Stocamine, contudo, a rocha está a ceder com a pressão de minas vizinhas e os tectos e as paredes estão a desmoronar a uma taxa de dois centímetros por ano, descreve o jornal britânico.
Pode já não ser possível ter acesso a alguns contentores de resíduos devido à movimentação geológica na região. O Governo decidiu injectar toneladas de betão nos túneis da antiga mina e preencher os poços, funcionando como um tampão para manter o conteúdo naquele local de forma permanente. Os ambientalistas classificam esta acção como imprudente, descreve o Guardian, já que não se sabe como as rochas se vão comportar no futuro.
Será possível impedir a contaminação do aquífero?
O aquífero acima de Stocamine está apenas cinco metros abaixo da superfície, com estudos a indicar que a água vai inundar a mina, gradualmente, nos próximos 300 anos. Ainda assim, os especialistas afirmam ser possível selar os poços e atrasar a contaminação das águas, ou até mesmo impedi-la, refere a reportagem do Guardian.
Por outro lado, há quem defenda que a única solução segura para as gerações futuras é retirar os resíduos da antiga mina, algo que poderia custar cerca de 65 milhões de euros.
O professor de Educação Física reformado Yann Flory luta contra a permanência dos resíduos tóxicos naquele local desde 1989, tendo já organizado mais de 20 manifestações. “Não será para amanhã. Talvez eu já não seja afectado. Mas os meus filhos, os meus netos, certamente serão”, afirma Yann Flory ao jornal The Guardian. “Estamos convencidos de que, de um dia para o outro, a água que bebemos vai estar irreversivelmente contaminada.”
O plano, diz o professor convertido em activista, é continuar a “lembrar sistematicamente aos cidadãos e aos seus representantes eleitos que têm uma bomba-relógio debaixo dos seus pés”.
Uma “enorme ameaça”
Os metais pesados presentes em Stocamine, como o mercúrio, o arsénico e o crómio, estão associados a vários problemas de saúde, mesmo que em pequenas quantidades. Estes elementos podem acumular-se no corpo humano ao longo dos anos e “podem causar variados efeitos, nomeadamente cansaço, sensação de estar com ‘pouca energia’, e alterações no funcionamento cerebral, hepático, renal, pulmonar entre outros órgãos”.
Como afirma o jornal The Guardian, para além do grave impacto para os seres humanos, uma potencial contaminação da região pode ter consequências graves para a vida selvagem que habita as zonas húmidas e rios alimentados pelo aquífero. Também nos seres vivos que habitam o meio aquático foram documentados impactos semelhantes aos do ser humano, como problemas neurológicos e deformidades de desenvolvimento.
Naquela zona estão também armazenadas grandes quantidades de cianeto, segundo o Guardian, uma substância extremamente danosa para os ecossistemas aquáticos e que está associada à morte em massa de peixes e à formação de “zonas mortas”, locais onde a concentração de oxigénio é muito reduzida.
Mineiros também protestam
Wittelsheim era informalmente conhecida como “o município do lixo”. Na década de 1980, eram cerca de 6500 mineiros que trabalhavam na exploração de potássio, número que era o dobro nos anos 1960 e que foi diminuindo na última década do século XX.
Foi em 1997 que se decidiu que a mina seria local para armazenar os resíduos tóxicos, uma medida que foi vendida como algo benéfico para os mineiros. Supostamente, a ideia seria de que a gestão de um depósito de resíduos iria garantir um emprego contínuo aos trabalhadores. As autoridades, durante vários anos, afirmaram que os resíduos tóxicos apenas ficariam naquele local durante 30 anos.
Foram planeados mais de 90 empregos, que nunca se concretizaram. “Esperávamos que, ao armazenar os resíduos no subsolo, encontrássemos uma solução para tratá-los e pudéssemos reciclá-los de uma forma ou de outra, graças aos avanços da tecnologia. Mas esse trabalho nunca viu a luz do dia”, afirma ao Guardian Jean-Pierre Hecht, um dos mineiros que ajudou a colocar os resíduos tóxicos na antiga mina.
O futuro de Stocamine
Em 2022, o presidente da câmara de Wittelsheim, Yves Goepfert, afirmava a jornalistas que, se pudesse desejar algo para o ano seguinte, livrar-se-ia de Stocamine, cita o jornal Guardian. Para o autarca, manter os resíduos tóxicos na mina era “a solução menos má que existe, por enquanto”. “Não tenho uma solução alternativa menos prejudicial do que esta.”
Para Yves Goepfert, há várias hipóteses para resolver o problema de Stocamine, mas são necessários mais estudos para compreender a hidrologia daquela zona.
Por agora, as 42 mil toneladas de resíduos tóxicos continuam armazenadas debaixo de Wittelsheim. A Comunidade Europeia da Alsácia vai recorrer da decisão do Governo de selar a mina com betão, noticia o jornal Le Monde.
Editado por Aline Flor