“Onde a gestão funciona, os stocks prosperam”: como alcançar uma pesca sustentável? | Pescas


Mais de três quartos (77,2%) dos desembarques pesqueiros globais em 2021 foram provenientes de stocks sustentáveis, o que indica boa gestão da pesca de maior rendimento, indica um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) divulgado no início de Junho.

O documento refere que, em termos gerais, quase dois terços (64,5%) dos stocks de pesca avaliados foram pescados dentro dos níveis sustentáveis e que 35,5% foram classificados como sobre-explorados. Com base nas capturas e dados mais recentes, envolvendo mais de 650 especialistas de 92 países, o relatório avaliou 2570 stocks pesqueiros individuais.

Destacando que a sobrepesca continua a aumentar em média 1% ao ano, o relatório expressa preocupações com espécies de águas profundas e tubarões migratórios, que continuam sob pressão, mas nota também que houve melhorias na sustentabilidade dos stocks de atum, 87% dos quais considerados sustentáveis.

Gestão eficaz é ferramenta poderosa

Apesar dos desafios em algumas regiões e da necessidade urgente de acção global, as áreas com sistemas de gestão consolidados e baseados em evidências científicas reportam elevadas taxas de sustentabilidade muito acima da média global: 92,7% no Pacífico Nordeste, 85% no Pacífico Sudoeste e 100% nas pescarias da Antárctida, o que mostra que “onde a gestão funciona, os stocks prosperam“.

“A gestão eficaz continua a ser a ferramenta mais poderosa para a conservação dos recursos haliêuticos. Esta revisão proporciona uma compreensão abrangente sem precedentes, permitindo uma tomada de decisões mais informada com base em dados”, afirmou Qu Dongyu, director-geral da FAO, num comunicado sobre o relatório.

As conclusões do documento sublinham a importância do investimento contínuo em dados e gestão, especialmente em regiões com escassez de dados, para garantir a sustentabilidade a longo prazo.

Segundo o relatório, o Mediterrâneo e o Mar Negro mostram os primeiros sinais de recuperação e, embora apenas 35,1% dos stocks sejam pescados de forma sustentável, a pressão pesqueira caiu 30% e a biomassa aumentou 15% desde 2013.

Outras áreas do mundo, segundo o documento, continuam sob intensa pressão. No Pacífico Sudeste apenas 46% dos stocks são pescados de forma sustentável, enquanto o Atlântico Centro-Leste atinge os 47,4%. Trata-se de regiões que abrangem países onde a pesca é fundamental para a segurança alimentar e nutricional, para o emprego e a redução da pobreza, particularmente através de operações artesanais e de pequena escala.

Portugal em zona produtiva de pesca

A área do Atlântico Nordeste, onde se insere Portugal é classificada pela FAO como a quarta zona de pesca marinha mais produtiva do mundo, sendo responsável por 10% das capturas globais. É uma região com uma forte pesca industrial, onde o declínio de pesca de espécies tradicionais, como o bacalhau, foi compensado por mais pesca de espécies antes desvalorizadas, como o verdinho (Micromesistius poutassou).

A FAO alerta para o risco a que está sujeito o arquipélago dos Açores, pela pesca, mas também pelos impactos do turismo, do lixo marinho e do transporte marítimo. E acrescenta: as águas em torno dos Açores têm vindo a aquecer nos últimos anos, com a comunidade de plâncton a ficar mais pequena e a taxa de detecção de espécies não indígenas a aumentar.

“Existem habitats importantes para os corais de água fria que também estão em risco devido ao aquecimento e à acidificação dos oceanos”, alerta-se no relatório da FAO.

Sobre a região do Atlântico Nordeste estima-se que cerca de 75,8% dos stocks avaliados sejam pescados dentro de níveis sustentáveis, e indica-se que houve melhoria no estado de alguns stocks, como o bacalhau polar do nordeste, a cavala ou o arenque. A FAO diz também que há um “número significativo” de stocks que está sobre-explorado, que há outros cujo estado é desconhecido.

Em termos gerais, se por um lado uma boa gestão levou a uma recuperação do atum, as pescarias de profundidade continuam a enfrentar desafios, com apenas 29% das unidades populacionais de profundidade pescadas de forma sustentável, excepto na zona do Antárctico.

Economia azul sustentável

A economia do oceano desempenha um papel fundamental tanto na regulação do clima como no crescimento económico a nível mundial – em 2019, a chamada economia azul representou 3,4% do Produto Interno Bruto global e sustentou mais de 130 milhões de empregos –, mas encontra-se ameaçada pelas alterações climáticas, com o aumento da temperatura das águas, a acidificação dos oceanos e a subida do nível do mar a perturbar gravemente os ecossistemas marinhos.

Um relatório da OCDE sobre a relação entre a economia oceânica e as alterações climáticas​, lançado no início de Junho, destaca os principais desafios e aponta soluções para alinhar o progresso económico com os objectivos globais de neutralidade carbónica, e usa Portugal como estudo de caso – e um exemplo a seguir.

Entre 2016 e 2018, o sector azul representou, em média, 3,9% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional e 4% do total de empregos, refere o relatório. Só em 2018, o impacto combinado directo e indirecto da economia azul foi estimado em 5,4% do VAB e 5,1% do PIB.

Portugal tem procurado liderar a transição para uma economia azul sustentável, descreve ainda a OCDE. A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 estabeleceu metas ambiciosas, entre as quais se inclui o aumento de 30% do emprego no sector até ao final da década, bem como a garantia de “bom estado ambiental” em todas as zonas marítimas sob jurisdição nacional.

Prevenir pesca ilegal

A indústria das pescas e da aquicultura é uma área prioritária de intervenção na ENM 2021-2030, com “desafios fundamentais na minimização dos impactos ambientais, no desenvolvimento de novos produtos e processos e na adopção de modelos de economia circular e digital”, refere o relatório.

Entre as metas para 2030 está manter todos os stocks pesqueiros dentro de limites sustentáveis. “A sustentabilidade e a rastreabilidade são fundamentais para a diferenciação no mercado, com tecnologias como a blockchain a ajudar a prevenir a pesca ilegal”, descreve a OCDE, referindo a estratégia portuguesa.

Além disso, reconhece-se que os pescadores precisam de melhorar as suas competências, com ênfase na redução do impacto ambiental das práticas de pesca, a promoção de métodos sustentáveis e o apoio às organizações de produtores na gestão das unidades populacionais de peixes.

A governação dos recursos oceânicos, contudo, continua a ser um desafio, devido à fragmentação entre tutelas, o que levou à criação da Comissão Interministerial dos Assuntos do Mar (CIAM), reunindo representantes governamentais e da sociedade civil, para assegurar uma coordenação mais eficaz.

Mais (e melhor) gestão

Faltando apenas cinco anos para a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, é cada vez mais claro que muitos dos objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) continuam fora de alcance, e que a fome e subnutrição generalizadas, o agravamento dos impactos das alterações climáticas e os conflitos políticos continuam a ser desafios significativos. O ODS 14 −​ proteger a vida marinha − é dos menos financiados e o seu ponto quatro, de regulamentação da pesca, é também muito incerto.

Portugal comprometeu-se a duplicar os mecanismos de financiamento dedicados à economia azul até 2030, recorrendo a instrumentos como o Fundo Azul e obrigações financeiras (“blue bonds”), refere o relatório da OCDE. Estes mecanismos procuram colmatar a falta de investimento privado, muitas vezes travado pela expectativa de baixos retornos financeiros.

Na 3.ª Conferência do Oceano das Nações Unidas, que teve lugar em Nice, França, foram assumidos compromissos no valor de cerca de 10 mil milhões de dólares para investimentos no oceano, um montante muito abaixo dos 175 mil milhões de dólares estimados como necessários anualmente para preservar os ecossistemas marinhos.

Francine Pickup, directora-adjunta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, considera que a chave para o verdadeiro foco no oceano está na criação de um ambiente político mais favorável e na eliminação de subsídios que promovem práticas destrutivas como a sobrepesca: “O financiamento público é insuficiente e o privado ainda menos. Este é um sector ainda em fase inicial.”

Outros especialistas têm alertado para a necessidade urgente de medidas firmes contra práticas como a perfuração petrolífera offshore, a pesca intensiva e a eventual mineração em mar profundo. E, apesar da lentidão das acções políticas, a conferência em Nice trouxe alguns avanços, com mais de 20 países apoiaram o apelo de França para proibir a mineração em alto-mar e a criação de novas Áreas Marinhas Protegidas.

“De certa forma, o oceano é o último território que temos explorado sem pensar no amanhã,” afirmou Flavien Jouber, ministro da Agricultura, Alterações Climáticas e Ambiente das Seicheles. com agências



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