Excesso de turismo, rendas astronómicas, exploração de trabalhadores, desigualdade e elitismo: nos últimos dias, os protestos em Veneza contra a luxuosa cerimónia de casamento de Jeff Bezos e Lauren Sanchez chamaram a atenção para um crescente descontentamento internacional.
Os políticos locais desvalorizaram os manifestantes como uma minoria marginal. Mas a fama de Bezos e a deslumbrante Veneza deram-lhes visibilidade internacional, que souberam aproveitar.
A faixa com a inscrição “No space for Bezos” (em português, “não há espaço para Bezos”), pendurada na emblemática Ponte de Rialto, e a enorme tela estendida na Praça de São Marcos, instando o multimilionário a pagar mais impostos, foram vistas em todo o mundo.
A preocupação face a novos protestos levou mesmo Bezos e Sanchez a mudar os planos da cerimónia de casamento — uma festa extravagante, composta por celebridades e que se estendeu por vários dias —, de Cannaregio para o Arsenale, um dos lugares mais bem protegidos de Veneza.
“O casamento de Bezos tornou mais evidente que nunca a ideia de que a cidade deve ser vista como um palco ou um parque de diversões”, disse à Reuters Tommaso Cacciari, um dos líderes da campanha “No Space for Bezos”.
Num último protesto neste sábado, 28 de Junho, cerca de mil habitantes e activistas reuniram-se diante da estação ferroviária de Veneza, onde as temperaturas também ultrapassaram os 30 graus Celsius, e marcharam cerca de 1,5 quilómetros até à Ponte de Rialto. “Beijos sim, Bezos não”, lia-se num dos cartazes erguidos pelos manifestantes.
No entanto, empresários e políticos de Veneza saudaram o evento como um importante impulso para a economia local. Luca Zaia, presidente da região de Veneto, afirmou que a cidade devia orgulhar-se de acolher a cerimónia.
Laços com Trump
Alice Bazzoli, estudante universitária de 24 anos, classificou Bezos como um “hipócrita”, por ter doado três milhões de euros a Veneza, ao mesmo tempo que inundava o frágil ecossistema da cidade com jactos e iates privados altamente poluentes.
Bezos e Sanchez doaram um milhão de euros cada um a três instituições da cidade: o CORILA — Consórcio para a Coordenação das Actividades de Investigação sobre o Sistema Lagunar de Veneza; o escritório local da UNESCO; e a Universidade Internacional de Veneza. “Gostava que Veneza fosse feita à medida dos cidadãos, e não dos turistas, e tivesse habitação acessível”, lamentou Alice Bazzoli.
Andrea Segre, realizador de cinema de 49 anos, nascido em Veneza, manifestou-se também preocupado por a cidade estar a expulsar os seus moradores e a perder diversidade. “As pessoas entre os 25 e os 35 anos — o grupo que está a começar a constituir família — não têm dinheiro para viver em Veneza.”
Em cerca de 50 anos, Veneza perdeu mais de metade dos seus habitantes: de 100 mil para menos de 50 mil.
A cidade já tinha sido palco de muitos casamentos de luxo, incluindo o de George Clooney com Amal Alamuddin, mas o papel político e empresarial assumido por Bezos gerou especial indignação.
O fundador da Amazon é o quarto homem mais rico do mundo e tem mantido laços com o Presidente dos Estados Unidos. Ivanka Trump, filha de Donald Trump, foi uma das convidadas a marcar presença no casamento.
“Bezos é a personificação da mais absoluta riqueza, obtida através da exploração de tudo o que o rodeia”, acusou a estudante Giulia Cacopardo, de 28 anos, antes da marcha deste sábado.
Tommaso Cacciari, na liderança dos protestos, admite: “Eu teria protestado contra Bezos mesmo que ele tivesse vindo num barco a remos com meia dúzia de pessoas (…), porque ele contribuiu de forma prática, material e política para a reeleição de Donald Trump.”