Nacionalidade, residência e sharia
O texto de Maria João Marques (M.J.M.) coloca questões interessantes, mas simplifica o que é complexo. Se é óbvio que todos os requerentes à nacionalidade portuguesa devem “respeitar a cultura portuguesa”, parece-me que o “integrar-se nela” é uma exigência que, no limite, viola um direito humano do requerente, já que “a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outras declarações internacionais reconhecem a importância do direito à identidade cultural, destacando que ninguém pode ser privado de sua identidade cultural nem discriminado por ela”.
M.J.M. refere práticas que nos chocam, como a poligamia legal em vários países africanos e do Médio Oriente e descriminalizada no estado de Utah e muito relacionada com a lei da sharia, mas não só. Quanto à acusação de que a “comunicação social portuguesa gosta muito de lavar com lixívia tudo o que se relaciona com o Islão”, lembro a Carta do Cairo (1990) ou Declaração dos Direitos Humanos no Islão, abarcando 24% da população mundial, que questiona a universalidade dos direitos humanos tal como nós os entendemos, e que tem originado forte discussão sobre a universalidade ou relativismo dos direitos humanos. Acresce que a ONU não considera a Declaração Universal dos Direitos Humanos um documento vinculativo, mas sim orientador.
Sobre a existência de um tribunal islâmico na mesquita de Lisboa, pergunto: “por que carga de água” é que não pode haver? Também há tribunais eclesiásticos. Qualquer cidadão português muçulmano só recorre a ele se assim o entender, pois tem a lei portuguesa que o defende. Até hoje, não dei notícia que tenham sido apedrejadas mulheres adúlteras ou cortada a mão a ladrões na mesquita de Lisboa. E, já agora, para integrar a cultura portuguesa, será necessário beber álcool e comer carne de porco?
O Islão não reconhece às mulheres os mesmos direitos que reconhece aos homens, mas é justo que se diga que nos países que reconhecem direitos iguais a homens e mulheres a prática mostra o contrário.
Matérias desta natureza devem ser muito ponderadas antes de passarem para o foro legislativo. O diálogo e a negociação entre diferentes sistemas de valores são cruciais para promover o respeito pelos direitos humanos.
Estou com Pedro Adão e Silva. As questões que forem colocadas aos estrangeiros requerentes de nacionalidade portuguesa devem ser testadas nos deputados da Assembleia da República, todos portuguesinhos de gema.
Declaração de interesses: sou cidadão português, não sou muçulmano e detesto radicalismos.
Fernando Vasco Marques, Várzea de Sintra
Luís Montenegro e Ramiro Valadão
Li no PÚBLICO da última sexta-feira o texto de Pedro Adão e Silva condenatório de um despedimento na RTP. Por afetar o muito melindroso campo da informação, o episódio suscita-me o regresso ao estamento em vigor na RTP quando Ramiro Valadão ali exerceu as funções de presidente. Tempos duros para quem, como eu próprio, lá trabalhou como redator. Naturalmente, com Marcelo Caetano em São Bento, os redatores limitavam-se a reproduzir, por outras palavras e menos seguidismo, as notícias de agências do regime, entre as quais a ANI. Valadão ia aos arames quando algum texto, no seu sábio entender, “favorecia” a imagem do prof. Veiga Simão, de quem Caetano “desconfiava”. As inaugurações eram outro campo minado para os redatores. Ramiro Valadão exigia grandes tiradas apologéticas. Além de muito cuidadinho com a guerra do Ultramar. Isto é, na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique os recontros e as emboscadas causavam “a morte de centenas de terroristas e ligeiros ferimentos em alguns dos nossos combatentes”. Agora, A RTP “está empenhadíssima” no caso da Spinumviva e os seus diretores de informação devem garantir “uma comunicação social mais tranquila e não tão ofegante”. Montenegro vive em democracia, mas a sua posição é já inafiançável.
Luís Alberto Ferreira, Oeiras
Ana Cristina Leonardo
Seria néscio da minha parte não saudar Ana Cristina Leonardo pela habitual prosa com que nos brinda no espaço “Meditação na Pastelaria”, inserida no Ípsilon. Também porque hoje, e uma vez mais, me obrigou a consultar o dicionário para desvendar o significado de “coprolalia”, “turpilóquios” e “nosocómio”. Agora estou mais rico no saber, sabendo que continuo atrás do mesmo, e que estamos sempre a aprender, aprender, sempre.
Daí vou evitar dizer obscenidades, ou usar palavras torpes, ou ainda, cruzes canhoto, não vir a necessitar de ser hospitalizado, por bolsar as enormidades que, por exemplo, Dinis Machado usou no seu inesquecível e incontornável O que diz Molero, ou quando os Anjos (da guarda nos livre) entoam loas e hinos, enquanto repicam os sinos nas egrégias Igrejas.
José P. Costa, Lisboa