A farsa dos três meses de férias dos professores | Megafone


É incrível como, no final do ano letivo, volta a surgir aquela ideia já tão gasta: os professores têm três meses de férias e, por isso, levam uma vida fácil, cheia de descanso e sem preocupações. “Também quero ser professor!”, dizem, como se fosse um sonho ou um caminho simples e garantido para uma vida tranquila. A realidade, essa, é bem diferente. E é por isso que não há muita gente disposta a embarcar nesta carreira.

O fim das aulas não representa o nosso momento de descanso. Terminar o calendário letivo significa iniciar uma nova fase de trabalho intenso e invisível para quem não está dentro das escolas. Exames para preparar, vigiar, corrigir e organizar. Relatórios para redigir. Reuniões para participar. Planificações para atualizar. E uma burocracia que parece não ter fim. E esta realidade não é só dos professores efetivos: os contratados vivem uma instabilidade constante, sem garantias para o próximo ano (ou para os anos seguintes), sem saber onde vão lecionar ou sequer se continuarão a lecionar.

A instabilidade dos professores contratados arrasta-se há anos. Mudar de escola constantemente, adaptar-se a novas direções, a regras diferentes, a colegas e alunos que desconhecem é uma dor que muitos vivem em silêncio. O desapego sem raízes dói, mas o apego que se construiu, mesmo em poucos meses, também custa quando é preciso cortá-lo abruptamente.

É esta incerteza que mina a motivação e desgasta o compromisso de quem apenas queria ensinar e contribuir para o futuro dos alunos. Esta precariedade afasta muitos jovens e bons profissionais que, perante tamanha instabilidade, optam por outras carreiras, outras vidas.

É fácil perceber por que a crise de professores em Portugal não é, de modo algum, um mistério. Não faltam pessoas capazes de ensinar, mas faltam aquelas que, para além de criticar, têm coragem para enfrentar a instabilidade, a desvalorização e o excesso de trabalho que a profissão exige. Essa falta de coragem reflete-se no julgamento feito por quem nunca esteve numa sala de aula cheia, sob a pressão constante de educar, acompanhar e lidar com a burocracia, reuniões, relatórios e o desgaste emocional inerente a trabalhar com alunos e famílias. Aos “heróis de teclado” que lançam críticas fáceis, pedindo que os professores “vão trabalhar” e que “deixem de andar sempre em greve”, fica o desafio: venham passar uma manhã numa sala de aula.

Enquanto esta falta de compreensão e respeito persistir, a crise na educação só se agravará. Professores desmotivados, contratos precários, condições de trabalho insuficientes e salários que não acompanham as exigências compõem o verdadeiro retrato da profissão em Portugal.

A questão não é simplesmente “quem quer ser professor”, mas sim “quem quer ser professor nestas condições”? E a resposta tem sido cada vez mais silenciosa e clara: ninguém.

Antes de desejar ser professor apenas pelos três meses de férias, vale a pena pensar no que esta carreira realmente exige: compromisso, resiliência e paixão, mas também estabilidade, valorização e respeito. Sem estes elementos, a profissão continuará a ser um terreno árido, onde poucos resistem e muitos – cada vez mais – desistem.

Enquanto persistirmos nesta lógica de desrespeito e incompreensão, a crise na educação será uma ferida aberta sem solução à vista.



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