No mês de Julho, a Cinemateca Portuguesa assesta os holofotes — a expressão é, aqui, particularmente feliz — sobre “o mais internacional dos directores de fotografia portugueses”. De facto, Eduardo Serra, lisboeta de nascimento mas parisiense de adopção, tem um currículo invejável. Foi colaborador regular de Claude Chabrol na última fase da sua carreira e responsável pela fotografia dos dois últimos filmes da série Harry Potter, Harry Potter e os Talismãs da Morte. Deve-se-lhe a imagem icónica de Scarlett Johansson como a Rapariga com Brinco de Pérola que inspirou Vermeer (Colin Firth) no filme de Peter Webber pelo qual foi nomeado para o Óscar da melhor fotografia. Trabalhou com M. Night Shyamalan (O Protegido) e Edward Zwick (Diamante de Sangue, com Leonardo di Caprio, e Resistentes, com Daniel Craig) mas também com Fernando Lopes (O Delfim), Carlos Saura (Fados) e José Fonseca e Costa.
Foi, aliás, este último a dar-lhe a sua primeira oportunidade de dirigir a fotografia de uma longa-metragem no nosso país, com Sem Sombra de Pecado (1982), depois de uma formação parisiense na década de 1960, de vários anos de trabalho de assistência (à sombra de Nestor Almendros e de Pierre Lhomme) e de um primeiro trabalho com o realizador Christian Drillaud em À Vendre (1980).
Interpretar o Texto com a Luz é o título do ciclo a decorrer nas salas da Barata Salgueiro, em Lisboa, durante Julho, título proveniente de uma entrevista a Anabela Mota Ribeiro para o PÚBLICO em 2011. Trata-se do segundo ciclo que a Cinemateca dedica a Serra, vinte anos depois do primeiro (integrado numa temporada dedicada aos directores de fotografia do cinema português). Os 16 filmes desta selecção comemoram uma carreira de quase quarenta anos cujo último título remonta a 2014 — Uma Promessa, de Patrice Leconte, o cineasta com quem mais vezes filmou (nove, ao todo, desde Os Especialistas em 1985), que definiu numa entrevista a Bernard Payen como “o mais japonês dos cineastas europeus apesar de gostar de dizer que detesta o cinema japonês”. Com Claude Chabrol, foram sete colaborações, entre Rien ne va Plus (1997) e o seu último filme, Bellamy (2009) — apesar de, na mesma entrevista, confessar que “Chabrol não prestava muita atenção ao aspecto visual dos seus filmes”.
Em Portugal, Serra rodou ainda com Fonseca e Costa em A Mulher do Próximo, João Mário Grilo (O Processo do Rei) e Luís Filipe Rocha (Amor e Dedinhos de Pé). Para além de Rapariga com Brinco de Pérola, foi também nomeado para o Óscar de fotografia pela versão do britânico Iain Softley de As Asas do Amor, de Henry James; colaborou igualmente com Kevin Spacey (no primeiro filme que realizou, Bobby Darin – O Amor é Eterno), Vincent Ward (Sem Fronteiras e Para Além do Horizonte, com Robin Williams no papel principal) e Michael Winterbottom (Jude, baseado em Thomas Hardy, com Kate Winslet).
O programa do ciclo incluirá as três incursões de Serra na realização — três documentários de curta-metragem rodados em 1975 (Um Aniversário, marcando os primeiros doze meses do 25 de Abril de 1974), em 1982 (Rink-Hockey, sobre o mundial de hóquei em patins de Barcelos desse ano) e em 1990 (Mode d’Emploi, mini-história do cinema português em 40 minutos encomendada pelo canal televisivo francês La Sept, hoje ARTE France).
Actualmente com 81 anos de idade, Serra foi nomeado Comendador da Ordem do Infante D. Henrique em 2004 pelo Presidente Jorge Sampaio e Grande-Oficial da mesma ordem em 2017 por Marcelo Rebelo de Sousa, e recebeu em 2014 os prémios de carreira da Sociedade de Directores de Fotografia Americanos e da Academia Portuguesa de Cinema.