Anjos vs. Joana Marques: Ricardo Araújo Pereira chamado a dar lição sobre o humor | Reportagem


Na manhã do terceiro dia de julgamento que opõe a dupla musical Anjos à humorista Joana Marques, começaram a ser ouvidas as testemunhas da ré. O humorista Ricardo Araújo Pereira (RAP) falou durante quase uma hora, no que parecia ser uma aula sobre o que é o humor. “A Joana [Marques] não faz nenhum apelo à violência ou ódio contra os cantores. Não pode ser responsabilizada pelo cyberbullying”, opinou o autor do programa Isto é Gozar com Quem Trabalha da SIC, onde trabalha com Joana Marques, levando a juíza a repreendê-lo: “Sou eu que vou fazer a sentença.”

A juíza, Francisca Preto, permitiu, todavia, que Ricardo Araújo Pereira opinasse sobre o vídeo que levou Joana Marques ao tribunal, a interpretação dos irmãos Nelson e Sérgio do Hino Nacional na final da MotoGP em Abril de 2022. “O vídeo termina com a ideia do júri [dos Ídolos] que ‘tive de parar porque estava a assassinar uma canção? É uma expressão conhecida que não significa que se está a assassinar a canção no mesmo plano do que a Rosa Grilo”, declara o humorista, fazendo referência à mulher condenada a 25 anos pelo homicídio do marido. RAP acrescentou não ter redes sociais e que só teve contacto com a publicação de Joana Marques porque lhe mostraram.

O humorista defende que o vídeo se destina apenas a veicular a ideia de que Joana Marques não gostou da actuação musical dos Anjos. “É um vídeo humorístico e isso começa pela legenda: ‘Foi para isto que se fez o 25 de Abril?’”, continua, lembrando que a expressão é frequentemente utilizada, mas que, neste caso, aplicá-la ao tema em questão “produz um efeito humorístico”.

RAP rebate a ideia a que a defesa tem recorrido de que o vídeo terá sido “manipulado” e sublinha que é habitual uma sátira recorrer apenas “às partes que interessam”, condensando, neste caso, o Hino Nacional ao que se “achou mais graça”. Todavia, Ricardo Araújo Pereira não se mostra isento e critica a interpretação dos Anjos. “O Alfredo Keil e o Henrique Lopes de Mendonça não estavam a pensar no oh, oh, oh quando escreveram o Hino Nacional.”



Ricardo Araújo Pereira
Nuno Ferreira Santos

Contudo, assevera, a edição do vídeo de Joana Marques é clara e não conduz ao engano. “Os humoristas olham para a realidade e questionam: ‘O que parece?’ e ‘o que podia ser?’”, define, lembrando que a edição mimetiza a ideia de que os Anjos teriam ido ao programa Ídolos, mas não conduz ao engano. “Nenhuma pessoa razoável acha que os júris estejam a falar mesmo daquele tema.”

Até porque, acredita, nenhuma declaração humorística deve ser levada a sério. RAP evoca o encontro com o Papa Francisco, em 2024, no qual Joana Marques também participou e onde o líder da Igreja Católica salientou que se podem fazer piadas com tudo, “até com Deus”. E o autor da piada não pode ser responsabilizado. “Se alguém disser que vos ouve a cantar e tem vontade de se matar, deixariam de cantar? É equivalente. As pessoas podem alegar coisas como estas.”

E, enquanto figuras públicas, o humorista defende que estas devem estar permeáveis a este tipo de acontecimento. “O espaço público não é o recreio da pré-primária. Criticamo-nos uns aos outros. E eles [os Anjos] são figuras mediáticas.” Até porque o contexto importa. Ou seja, uma piada só é uma piada se for dita no contexto da comédia. “O meu pai é piloto, mas quando está na rua não está a ser piloto. Se baixar o vidro do carro e lhe chamar cabra, isso não é comédia”, exemplificou.

Amigo pessoal de Joana Marques, RAP confessa-se parte interessada no processo por considerar que seria danoso que qualquer um “que tenha a mesma profissão” que a ré viesse a perder o processo. “É alarmante para qualquer cidadão que alguma vez tenha dito ou queira ter o direito de dizer que não gostou de uma actuação. Para qualquer cidadão que faça uma piada”, declara, em resposta à advogada dos irmãos Rosado, Natália Luís.

A representante dos Anjos evocou um caso de 2008 em que Ricardo Araújo Pereira processou a imprensa social por ter publicado uma fotografia da sua casa e comparou os dois processos. “As pessoas famosas têm direito à privacidade. Não existe liberdade sem privacidade. Se a Joana tivesse fotografado a casa deles, era diferente”, respondeu, fazendo notar que os irmãos Rosado têm direito a recorrer à justiça, tal como ele teve esse direito, mas refutou: “O julgamento espoletou mais comentário do que os que se pretendiam evitar.”



Nelson e Sérgio Rosado
Rui Gaudêncio

Facturação crescente

Os próprios irmãos Rosado reconheceram esse facto nesta manha ao chegarem ao Palácio da Justiça, em Lisboa, quando lamentaram à imprensa o facto de o julgamento estar a ser feito em “praça pública”. Certo é que, neste terceiro dia de julgamento, a sala de audiências estava repleta de curiosos para assistirem ao desenvolvimento do mediático caso.

A primeira testemunha a ser ouvida foi o contabilista dos Anjos, Bruno Miguel Santos, responsável há 18 anos pelos relatórios anuais de contas da dupla musical. Em tribunal, foram recordados os valores de facturação de Nelson e Sérgio Rosado desde 2012 quando registaram perto de 85 mil euros, até 2023 quando a facturação atingiu os 270 mil euros, com um pico em 2019 e curiosamente em 2022, ano a que remontam os factos analisados em tribunal.

Bruno Miguel Santos explicou que o pico de facturação de 2022 para 517 mil euros foi motivado pelo adiamento de concertos da época da pandemia que haviam de culminar nesse ano. “Percebemos que deste valor 352 mil euros dizem respeito aos concertos da banda”, explica, referindo aos 35 espectáculos desse ano — sendo que 17 foram remarcações.

Depois do pico de 2022, a facturação desceu para os 270 mil euros, ainda que Bruno Miguel Santos não tenha conseguido explicar se a queda de receitas se deveu ou não à publicação do vídeo por parte de Joana Marques — os factos que estão a ser analisados em tribunal. “A actividade de facturação das empresas sobe e desce. Há anos em que há mais concertos e outros menos”, respondeu.

A manhã de julgamento terminou com o agente de Joana Marques, Miguel Isaac, que foi quem contactou os Anjos, depois de uma primeira abordagem telefónica para que a humorista apagasse o vídeo das redes sociais. “A Joana informou-me e entrei em contacto para dar seguimento. Isto tem a ver a gestão do tempo e da agenda. A Joana tem muito trabalho”, justificou, detalhando que não tem qualquer controlo do tipo de publicações da cliente nas redes sociais.

Aliás, continua Miguel Isaac, a maioria das publicações de Joana Marques também tem comentários do mesmo teor que os do vídeo em questão. “É uma inevitabilidade que diz mais sobre a forma como vivemos em sociedade do que sobre os artistas”, lamenta. Contudo, argumenta que o tipo de edição que Joana Marques fez naquele vídeo é o habitual, mas não soube nomear outro conteúdo semelhante publicado na mesma página. “A minha actividade específica não é acompanhar as publicações.”

Miguel Isaac também não se recorda dos detalhes das duas cartas enviadas pelos irmãos Rosado a Joana Marques para que retirassem os vídeo. Um excerto da actuação dos Anjos no MotoGP também foi usado nos espectáculos do Extremamente Desagradável ao vivo em 2022, tendo a advogada Natália Luís questionado se tinha sido pedida autorização para isso. “Nós pedimos autorização à Sociedade Portuguesa de Autores, mas este vídeo está no YouTube”, lembrou o agente.

A sessão de julgamento no Palácio da Justiça vai continuar durante a tarde, quando será ouvido o radialista e humorista Fernando Alvim, testemunha convocada por Joana Marques. Não se sabe se a humorista vai testemunhar ainda nesta segunda-feira, mas não se prevê que a juíza determine para já a sentença.



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