Uma dermatologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tem registada em seu nome a realização de cirurgias enquanto se encontrava fora do país. Segundo uma reportagem da CNN, terão sido feitas por médicos internos, enquanto a médica se encontrava em Itália.
A médica visada na investigação da CNN terá recebido 113 mil euros em apenas sete sábados. Além disso, num dos dias, 14 de Maio, em que foram registadas cirurgias supostamente realizadas por si, estava num congresso em Itália.
Segundo a CNN, a especialista, que também exerce no sector privado, recusou fazer comentários.
Este não é o primeiro caso envolvendo o mesmo serviço deste hospital. Uma investigação da TVI, de Maio, identificara um outro dermatologista que recebera mais de 51 mil euros só num sábado pela realização de cirurgias. Este médico recebeu 400 mil euros em dez sábados de trabalho.
Em causa está o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que permite fazer cirurgias fora do horário laboral, para mitigar as longas filas de espera nos hospitais.
O SIGIC foi criado para combater as listas de espera. A produção adicional permite a atribuição de incentivos às equipas cirúrgicas.
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriu a 26 de Maio uma acção inspectiva à verificação do cumprimento das regras relativas à actividade cirúrgica realizada em produção adicional no Serviço Nacional de Saúde.
“Numa primeira fase, a auditoria irá abranger um conjunto de dez unidades locais de saúde e institutos portugueses de oncologia, que serão seleccionadas, nomeadamente, através dos indicadores da actividade cirúrgica realizada em produção adicional face à actividade normal, encontrando-se a IGAS a proceder à recolha de informação junto de todas as entidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde”, informou a IGAS nesta segunda-feira ao PÚBLICO.
“Os objectivos desta auditoria são os seguintes: o recurso à actividade cirúrgica realizada em produção adicional face à actividade normal; a classificação de doentes em grupos de diagnósticos homogéneos que suporta o registo e o pagamento da actividade realizada em produção adicional; os mecanismos de controlo da actividade realizada em produção adicional”, informa a IGAS em resposta escrita.
Está previsto que os dados recolhidos estejam tratados e as entidades estejam identificadas até ao final da primeira quinzena deste mês, “dando-se início à execução da auditoria nesse período”.
O Governo já anunciou que haverá mudanças e que o SIGIC vai ser substituído e passar a ser designado por SINAC. Mas, para já, permanecem as regras especiais pela chamada “produção adicional” dos médicos.
Já neste mês a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde instruiu os hospitais com um conjunto de orientações, para que garantam maior racionalidade nos serviços de dermatologia, limitando a realização de cirurgias fora de horário normal a casos oncológicos ou benignos muito prioritários.
No primeiro caso denunciado no Santa Maria, o pedido para a intervenção da IGAS foi feito pelo presidente do conselho de administração da Unidade Local de Saúde Santa Maria, Carlos Martins, depois de confrontado com a investigação que analisou milhares de documentos relativos ao serviço de dermatologia e detectou um médico que recebeu 400 mil euros em dez sábados em 2024 em produção adicional.
O PÚBLICO contactou nesta segunda-feira a ULS Santa Maria e aguarda uma reacção à nova situação detectada. Pediu também uma reacção à direcção executiva do SNS.
A CNN falou com um médico que não se identificou e que diz que “actualmente, a dermatologia do Santa Maria é uma anarquia completa.” E acrescenta: “Temos uma urgência que funciona das 9h00 às 21h00. Todos os dias é garantida, na maioria, por médicos internos, médicos em formação que estão escalados sozinhos, sem qualquer apoio, sem qualquer supervisão, e são eles os responsáveis pelos doentes mais complexos.”