O novo painel de peritos sobre vacinas nomeado pelo secretário de Estado da Saúde da Administração Trump, Robert F. Kennedy Jr., votou na quinta-feira um parecer que rejeita a utilização de um ingrediente específico nas vacinas para a gripe, o que contribui, de acordo com peritos ouvidos pelo The New York Times e a Associated Press, para o reforço de um sentimento de suspeição em relação às vacinas nos Estados Unidos.
Ao fim de dois dias de reunião, este conselho consultivo para as práticas de imunização emitiu um parecer a recomendar a vacinação dos norte-americanos contra a gripe, mas afastou a utilização de vacinas que contêm um ingrediente específico, o timerosal (ou tiomersal), um conservante que contém etil-mercúrio e que é usado para evitar o crescimento de bactérias ou fungos, por exemplo nos frascos multidose, e que tem sido falsamente associado ao surgimento de casos de autismo em crianças.
Aquilo que seria apenas uma rotina na preparação para a época da gripe acabou por receber maior escrutínio depois de o secretário da Saúde de Donald Trump – um céptico assumido em relação às vacinas – ter abruptamente afastado os 17 especialistas que antes compunham o painel de especialistas em vacinas do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) e ter nomeado outros oito membros, metade dos quais já manifestou cepticismo em relação a algumas vacinas.
O afastamento dos 17 especialistas gerou protestos dentro da comunidade científica e médica, que argumentou que as mudanças no painel que recomenda quem deve ser vacinado e com que vacinas minaria a confiança do público nas agências de saúde.
Para os mais críticos, a deliberação agora conhecida sobre as vacinas da gripe é mais um sinal de que a Administração Trump se prepara para desmantelar um sistema baseado em evidência científica, que tem orientado as decisões clínicas sobre a vacinação ao longo de décadas.
Robert F. Kennedy Jr. tem sido um crítico de vacinas e chegou a desvalorizar um surto de sarampo, uma doença altamente infecciosa que, pela primeira vez numa década, causou mortes nos Estados Unidos, foi obrigado a recuar e a reconhecer o combate a esta doença como “prioridade máxima”.
A Associated Press destaca que a deliberação do grupo de especialistas escolhidos a dedo por Kennedy sobre a segurança do timerosal (conservante que é usado em menos de 5% das vacinas contra a gripe nos EUA) se baseou apenas numa apresentação de um grupo antivacinas, sem permitir a habitual divulgação pública de dados científicos do CDC.
“A utilização selectiva dos dados e a omissão da ciência estabelecida mina a confiança do público e alimenta a desinformação”, disse à Associated Press Sean O’Leary, professor de pediatria e doenças infecciosas na Universidade do Colorado. Sobre os novos membros do painel de especialistas escolhido por Kennedy, o pediatra afirmou: “Nada nas suas acções recentes se tem baseado na ciência ou foi transparente.”
Outro médico ouvido pelo The New York Times, Adam Ratner, especialista em doenças infecciosas pediátricas e perito em políticas de vacinas, considerou “impressionante o quão pouco os membros do painel parecem saber sobre as doenças e vacinas que discutiram”.
O grupo de peritos deliberou recomendar a vacinação anual contra a gripe de todos os americanos com mais de seis meses, mas apenas as vacinas monodose que não incluem timerosal.
Citado pela Associated Press, um dos novos membros do órgão consultivo, o psiquiatra Joseph Hibbeln, reconheceu que “ainda não há provas demonstráveis dos danos [do timerosal]”, mas sublinhou que, “quer a molécula real seja um risco ou não, há que respeitar o medo do mercúrio”, que pode dissuadir algumas pessoas de serem vacinadas.