Desde os anos 80 do século passado que a população da cidade de Badajoz, capital da Extremadura espanhola, se insurge contra a proliferação de plantas invasoras que cobrem com as tonalidades verde, vermelha, castanha ou cinza (consoante o seu estado de maturação) extensos troços do rio Guadiana privando as pessoas de poderem desfrutar da imensa superfície líquida para andar de barco, nadar ou pescar.
A secção do rio Guadiana que atravessa Badajoz até próximo do açude onde são debitados os caudais que entram directamente na albufeira de Alqueva passou a estar ocupada − por vezes em simultâneo − pelo jacinto-de-água, o nenúfar mexicano (Nymphaea mexicana) e pela azolla.
Estas três infestantes exóticas geram grande quantidade de matéria orgânica que, por sua vez, produzem muito azoto e fósforo. Quando morrem, acumula-se lama no leito do rio projectando odores desagradáveis no meio ambiente, tornando a água turva e imprópria para consumo e para o habitat das espécies piscícolas.
Jacintos-de-água no Alqueva
A planta que mais dificuldades apresentou na sua erradicação foi o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes), nativa das bacias dos rios Amazonas e Prata. Pensa-se que, por negligência, a infestante que está presente em diversas zonas húmidas de norte a sul do país acabou por se espalhar de forma descontrolada no rio Guadiana entre 2004 e 2020. A sua proliferação atingiu o seu ponto crítico quando cobriu quase 150 quilómetros da linha de água, chegando a penetrar na albufeira de Alqueva.
Perante o perigo iminente de uma proliferação massiva, a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) avisa para a necessidade de colocar cinco barreiras flutuantes acima da ponte da Ajuda, para travar a circulação do jacinto-de-água. Mesmo assim, equipas da EDIA procedem, de forma continuada, à recolha dos exemplares de jacinto-de-água que ultrapassaram as barreiras para impedir a dispersão da planta a jusante em direcção à albufeira do Alqueva.
O alerta mantém-se: “continuamos a manter equipas de vigilância para a recolha de plantas que ainda apareçam” confirmou ao PÚBLICO José Pedro Salema, presidente da EDIA, ciente da enorme capacidade reprodutiva desta planta, que em períodos com elevada temperatura ambiente pode ressurgir em força.
“Plano de choque” em Espanha
Em território espanhol foi necessário um investimento de 50 milhões de euros aplicados em sucessivas campanhas de extracção do jacinto-de-água (camelote em espanhol) para evitar uma catástrofe ambiental de proporções indescritíveis em Alqueva.
Depois de várias tentativas para erradicar a infestante, as autoridades espanholas tiveram de recorrer a um “plano de choque”, que foi lançado em 2018. Foi necessário colocar mais de cinco mil metros de barreiras flutuantes, utilizar cerca de 30 barcos adaptados à recolha da planta aquática e de mais de 100 operadores especializados, para além da participação de uma Unidade de Emergência Militar.
Em todas as intervenções efectuadas, para além de se terem retirado das águas do Guadiana cerca de 1,5 milhões de toneladas da biomassa aquática, evitou-se a entrada massiva da planta em território português e desde 2020 que não se regista a presença de plantas vivas em nenhum trecho do rio Guadiana.
Novas infestantes
Erradicado o jacinto-de-água, as preocupações estão agora viradas para as outras infestantes disseminadas por extensas áreas da superfície líquida do Guadiana: o nenúfar mexicano (Nymphaea mexicana) e a azolla (Azolla filiculoides). A plataforma Cidadã Salvemos o Guadiana que esteve envolvida na luta contra o jacinto-de-água concentra agora as suas acções na erradicação do nenúfar mexicano e na “denuncia da indulgência das administrações no seu desrespeito ao meio ambiente e ao rio” assumem os ambientalistas de Badajoz, que lançam duras críticas ao “comportamento” dos governos central e regional.
As folhas desta planta, nativa do sul dos Estados Unidos e do norte do México, espalham-se pela superfície da água, criando um tapete verde que obstrui a passagem da luz, impedindo o crescimento da vegetação subaquática, resultando na diminuição dos níveis de oxigénio e das populações de peixes.
A Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG) explica que esta espécie, que “já afecta cerca de 38 quilómetros de leitos de rios (em território espanhol) e coloniza mais de 100 hectares, aproveita as boas condições climáticas e de nutrientes que o Guadiana fornece, para aumentar a sua área de proliferação. Trata-se de uma planta aquática de grandes folhas verdes que flutuam à superfície da água, onde germina uma flor de lótus com pétalas amarelas “muito atractivas para fins ornamentais”, de acordo com a CHG.
Riscos para o Alqueva?
Pedro Salema explica que o nenúfar não tem o impacto negativo que teve o jacinto-de-água, realçando um pormenor: “a albufeira de Alqueva tem poucas áreas que podem ser potencialmente propícias à propagação dos nenúfares”.
No entanto, a planta cresce facilmente e com rapidez em lagoas, albufeiras, zonas pantanosas e canais de rega, que já obrigou as autoridades espanholas a aprovar um difícil e demorado plano de extracção de nenúfares a realizar por etapas a iniciar no próximo mês de Outubro e onde vão ser investidos, ao longo dos próximos seis anos, cerca de 26 milhões de euros, 85% co-financiados com fundos europeus
O projecto de erradicação é considerado pela CHG uma tarefa “muito complexa” por implicar o “esvaziamento parcial do rio e exigirá a movimentação de 630 mil metros cúbicos de lodo”, extraídos com “dragas mecânicas ou hidráulicas, máquinas anfíbias e retroescavadoras”, refere a CHG. A operação ocorrerá em todos os troços afectados, incluindo a zona urbana da cidade de Badajoz, ao longo de 25 quilómetros do rio.
Azolla: “explosiva, mas efémera”
Concluído o plano de erradicação do nenúfar mexicano, a plataforma cidadã Salvemos o Guadiana destaca outro invasor que também vive no rio há anos: a azolla uma espécie “muito explosiva, mas efémera”. Não tem a tensão permanente do jacinto-de-água ou do nenúfar, mas a questão é saber se há lugar para preocupações.
A CHG admite que a sua expansão em Badajoz se repete a cada verão. A propagação ocorre principalmente em áreas com correntes baixas ou águas paradas, característica que é comum em trechos do rio Guadiana retidos por barragens. A sua presença inicial na Península Ibérica remonta a 1920, e em Portugal. Hoje está disseminado pela maioria das bacias hidrográficas, especialmente as do Tejo, Guadalquivir e Guadiana.
No entanto, em áreas com águas de movimento lento e altas temperaturas, como as de Badajoz durante o verão, existem as condições ideais para as famosas florações, ou explosões de biomassa vegetal. “Este fenómeno é característico e costuma durar cerca de quatro meses”, explica o CHG.
“As acções directas para erradicação da azolla são limitadas” reconhece o presidente da EDIA, frisando que nem a barreiras flutuantes garantem eficácia. “A azolla é retida, mas não a 100%, e ela anda aí”, observa Salema preocupado com as ameaças que continuam a pairar sobre a albufeira de Alqueva e o risco de ficar coberta de plantas aquáticas exóticas.
Guadiana sem invasoras
Mais de duas mil pessoas saíram às ruas de Badajoz em Outubro passado exigindo um Guadiana sem espécies invasoras. A sua presença, afirma Juan Fernando Delgado, presidente da Associação Cidadã Salvem o Guadiana, leva à ocupação de “nichos ecológicos por espécies nativas, à hibridização com outras espécies, à ocupação de corpos de água, restringindo o seu movimento e causando perturbações significativas nos ecossistemas aquáticos”.
Paralelamente, representa um problema para as “actividades recreativas como pesca e canoagem, com os barcos a ficar presos, no emaranhado das plantas aquáticas.”
A associação Salvemos o Guadiana lembra que o combate a este tipo de espécies “só será eficaz quando forem suprimidas das massas de água do Guadiana as escorrências poluídas por fosfatos e nitratos, provenientes de resíduos agrícolas produzidos nas culturas intensivas e actividade pecuária” localizadas a montante na bacia do Guadiana.
A prevalecerem os impactos provocados pela actividade agrícola e pecuária, o erário público continuará a financiar a recolha periódica de espécies exóticas que até agora implicaram um encargo que já ascende a 76 milhões de euros.