O Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu a favor dos pais do estado de Maryland que pretendiam retirar os filhos de aulas quando fossem lidas histórias com personagens queer.
Numa deliberação anunciada esta sexta-feira, 27 de Junho, e que não reuniu consenso, com seis votos a favor e três votos contra, os juízes anularam a decisão de um tribunal de primeira instância, que recusou exigir às escolas públicas do condado de Montgomery que desse aos alunos permissão para não participar nas aulas em causa, à semelhança do que acontece com aulas de saúde reprodutiva e sexual.
O caso chegou a tribunal por iniciativa de familiares cristãos e muçulmanos de crianças que frequentam o ensino primário em Montgomery. O grupo de encarregados de educação processou as escolas do condado, alegando que estavam a violar a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que prevê a protecção de liberdades fundamentais, incluindo a religiosa.
“Um Governo limita o exercício religioso dos pais quando lhes exige que submetam os seus filhos a uma educação que representa ‘uma ameaça real’ às crenças e práticas religiosas que lhes desejam incutir”, justificou o juiz conservador Samuel Alito, que assina a decisão.
Já a juíza Sonia Sotomayor, da ala liberal do Supremo norte-americano, opôs-se à deliberação e reiterou que as escolas públicas educam crianças de todos os contextos sociais e religiosos, ajudando-as a viver numa sociedade intercultural.
“Essa experiência é essencial para uma vida cívica saudável na nossa nação. No entanto, tornar-se-á mera memória se as crianças forem privadas do contacto com ideias e conceitos que possam entrar em conflito com as crenças religiosas dos pais. Esta decisão inaugura essa nova realidade”, escreveu Sotomayor.
A deliberação da mais alta instância judicial dos Estados Unidos pode agora abrir precedente para que decisões semelhantes sejam tomadas noutras escolas norte-americanas, dando às famílias uma base para invocar a objecção de consciência a materiais educativos que possam contradizer as suas crenças religiosas. Nos últimos anos, aliás, a justiça norte-americana tem dado ênfase à liberdade religiosa e de expressão, por vezes em detrimento dos direitos das pessoas LGBTI+.
Em 2023, por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça determinou que as empresas passariam a ter fundamento legal para recusar prestar os seus serviços a pessoas LGBTI+, invocando também a Primeira Emenda da Constituição.
Antes, em 2022, a direcção do agrupamento de escolas do condado de Montgomery aprovou uma série de livros de contos infantis que incluíam personagens queer, de modo a que o programa de ensino ajudasse a reflectir a diversidade das famílias na comunidade. No currículo estavam já incluídos “muitos outros livros que apresentavam personagens heterossexuais a desempenhar papéis de género tradicionais”, referiu a direcção.
Quando o número de pedidos de dispensa de alunos das aulas em que seriam lidos os novos livros se tornou impraticável, motivando também preocupações de “estigmatização e isolamento social” entre alunos, as escolas do condado decidiram pôr fim à opção de retirada dos alunos dessas aulas por parte de familiares. Continua, contudo, a ser permitido que os estudantes sejam dispensados de aulas sobre educação e saúde sexual.
Na acção judicial apresentada, os queixosos — que se identificam como muçulmanos, católicos romanos e ucranianos ortodoxos — alegam que os livros de contos “promovem uma ideologia transgénero facciosa, encorajam a transição de género e centram-se excessivamente na atracção romântica — sem que os pais sejam notificados ou lhes seja dada hipótese de recusa”.
Defendem ainda que a Primeira Emenda prevê o direito a incutir aos filhos crenças e práticas religiosas, incluindo em questões de género e sexualidade, “cruciais para que possam cumprir as suas aspirações religiosas relativamente ao casamento e à família”. Ao Supremo Tribunal afirmaram que estavam a ser impedidos de “proteger a inocência dos filhos”. Com Reuters