Habituem-se às bolinhas de sabão | Editorial


Não sei se têm reparado nas últimas intervenções da AD, mas é perfeitamente razoável que tenham passado despercebidas. Afinal, às duas guerras juntou-se agora uma terceira, há um mundo inteiro em suspenso a tentar adivinhar as consequências provocadas por actores tão imprevisíveis; e ainda há um mundial de clubes de futebol para nos distrair a desoras.

Façamos então como o executivo: um resumo do que por aí andou a ser dito.

Pois então, o Governo tem-se esforçado por reduzir mediaticamente um programa inteiro de Governo de 184 páginas ao tema dos imigrantes — a título de curiosidade aritmética, a palavra “imigração” surge 17 vezes no documento, bem distante de “saúde” (102), “educação” (47) ou “habitação” (37).

Neste particular, António Leitão Amaro tem-se revelado especialmente diligente na defesa das políticas que este Governo pretende implementar com a Lei da Nacionalidade, que impõe mais condições e também castigos para um imigrante que pretenda tornar-se português.

Na segunda-feira, o ministro foi porta-voz de um briefing de um Conselho de Ministros dedicado integralmente, pelos vistos, a esta questão. Leitão Amaro explicou que não havia inconstitucionalidades, que nenhuma das medidas era “atabalhoada” e que todas elas estavam embebidas em “humanismo”.

Depois, à noite, ainda foi à televisão explicar tudo novamente, para não haver dúvidas de que a AD está empenhada em receber pessoas altamente qualificadas, controlar fronteiras e expulsar quem cometer crimes graves. E como ficam as empresas? A economia terá de se ajustar, disse.

Tudo isto aconteceu no preciso dia em que o Irão bombardeou uma base norte-americana no Qatar e em que o INE detalhou um aumento de 16% no preço das casas nos primeiros meses do ano, pelo que é admissível questionar se as propostas para a habitação estarão efectivamente a funcionar.

É possível e até provável que o Governo esteja a fazer contas ao crescimento exponencial do Chega; por isso, talvez pretenda emudecer André Ventura retirando-lhe pelo menos dois argumentos da narrativa — a imigração e a segurança —, deixando-o sozinho com as “bolas de sabão”, como disse Leitão Amaro.

Ninguém sabe se a estratégia resulta, mas há indicadores que o contrariam. Nas últimas eleições, a AD ganhou uma maioria um bocadinho maior, mas o Chega disparou. Apesar dos aumentos aos professores, polícias ou médicos. Apesar da descida dos impostos. E apesar da subida de tom no discurso sobre a imigração.



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