Inspeção confirma uma morte por atraso no socorro durante a greve do INEM | Saúde


A morte de um homem de 53 anos, ocorrida em Novembro de 2024, durante a greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), “poderia ter sido evitada caso tivesse havido um socorro, num tempo mínimo e razoável”. É esse o entendimento da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que divulgou esta quarta-feira o resultado do inquérito sobre o socorro dado pelo INEM a este utente. A notícia foi confirmada pelo PÚBLICO junto da IGAS.

O homem, residente no concelho de Pombal, sofreu um enfarte agudo do miocárdio e acabou por morrer, num dos dias em que os técnicos de emergência pré-hospitalar estavam em greve.

Os inspectores da IGAS concluem que o utente poderia ter sobrevivido se a resposta do INEM tivesse permitido o transporte “através de uma Via Verde Coronária para um dos hospitais mais próximos, onde poderia ser submetido a angioplastia coronária numa das respectivas unidades hemodinâmicas”, ou seja, para os hospitais de Leiria ou de Coimbra.

O inquérito em causa foi aberto na sequência da desagregação de outro processo de inquérito que está a decorrer para apurar a relação entre 12 mortes e os alegados atrasos no atendimento Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, nos dias em decorreram, em simultâneo, duas greves – uma dos técnicos de emergência pré-hospitalar às horas extraordinárias e outra da administração pública.

Além desta averiguação, foram já concluídas outras duas investigações relativas às mortes que ocorreram durante a greve do INEM. Nos dois casos, a IGAS não conseguiu concluir pela existência de uma relação de causalidade com o atraso na resposta da emergência médica. As situações aconteceram no Algarve, com um homem de 77 anos, e no Alentejo com uma idosa de 86 anos. As duas vítimas tinham patologias do foro circulatório.

Ao Expresso, o inspector-geral da Saúde adiantou que os restantes inquéritos, nove, devem estar concluídos até ao final de Julho. A ministra da Saúde — que, em Novembro último, garantiu assumir total responsabilidade pelo que correu menos bemno INEM, ao mesmo tempo que sublinhou que tiraria as devidas consequências das conclusões a que a IGAS chegasse já foi informada desta conclusão.

Em 12 de Novembro de 2024, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, anunciou que o INEM passaria a estar na sua dependência directa, alegando que o instituto assumia uma prioridade enormedevido ao alarme social que se verificou nessa altura e a necessidade de devolver a confiança à população no sistema de emergência pré-hospitalar.

A falta de recursos no INEM, incluindo de técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH), tem sido recorrente nos últimos anos, mas ficou mais evidente durante a greve, quando dezenas de meios de socorro pararam durante os turnos da manhã e da tarde, além da demora no atendimento de chamadas para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (​CODU).

Bombeiros responderam a mais de 100 pedidos directamente

Tal como já tinha sido noticiado, a falta de técnicos de emergência pré-hospitalar em número suficiente aliada ao aumento de chamadas que se registou no dia 4 de Novembro (este foi o pior dia, dada a coincidência das greves às horas extraordinárias do TEHP e da administração pública), o número de chamadas com pedidos de socorro não atendidos foi elevado. Das chamadas abandonadas, cerca de 457 seriam casos de prioridade máxima, em que deveriam ter sido accionados meios mais diferenciados, e nem o sistema de recuperação foi suficiente para conseguir chegar a todos os utentes. O tempo médio para atendimento das mesmas também foi alargado e chegou até aos 26 minutos no turno da tarde.

Em sede de contraditório ao relatório sobre a organização do trabalho nos dias de greve, cujo relatório final foi publicado esta quarta-feira pela IGAS, o INEM refere que a taxa de abandono das chamadas não reflecte a ausência de socorro à totalidade das situações e destacou o pedido que foi feito às corporações de bombeiros e à Cruz Vermelha para que “recebessem directamente os pedidos de ajuda nas suas centrais e fizessem o necessário encaminhamento das vítimas às unidades hospitalares, sem necessidade de triagem prévia pelo CODU”.

Os pedidos, explica, foram depois integrados nas ocorrências globais do dia 4 de Novembro de 2024, e “totalizaram 152 situações”. Mas terão sido mais as ocorrências a que os parceiros do INEM responderam, já que nem todas as corporações ou delegações da Cruz Vermelha que fazem parte do sistema integrado da resposta de emergência enviaram para os CODU as ocorrências de pedidos de socorro feitos directamente para as entidades. O INEM também destaca a existência de 842 chamadas que foram transferidas para a Saúde 24 por opção do contactante, para concluir que, com estas duas opções, “dispõe de mecanismos” que permitem “colmatar situações críticas como foi o dia da greve”. Isto apesar de reconhecer que o número de accionamentos “ficou aquém da média do mês de Novembro em 1118 situações”.

Ainda na resposta enviada à IGAS, o INEM refere também a existência “muito acima da média diária” de chamadas P8 – classificadas como possíveis não ocorrências -, referindo que esse valor “poderá corresponder a ocorrências que poderão não ter tido socorro”.

O instituto reforça que as chamadas recebidas “não correspondem necessariamente” a número de pedidos de socorro, pois podem existir chamadas repetidas para a mesma ocorrência. E acrescenta que tendo o dia 4 de Novembro sido “particularmente difícil”, “é normal” que as chamadas perdidas na origem tenham sido superiores.

No relatório final, a IGAS mantém as conclusões a que já tinha chegado durante a inspecção, que no dia 4 de Novembro, verificou-se, “o incumprimento dos serviços mínimos de 80% dos TEPH escalados para o CODU, no turno da tarde” e que a taxa de abandono das chamadas foi “superior a 50%” desde as 9h30 da manhã até ao fim do dia.



Source link

Mais Lidas

Veja também