Um cartaz com a frase “Precisa-se de funcionário” está colado na vitrine de uma confeitaria no centro de Lisboa há vários meses, um exemplo claro da falta de mão de obra, agravada pelo fim da entrada de imigrantes regulares.
“Esse trabalho é chato, eu sei. Tem que abrir e fechar, com uma pausa no meio do dia, mas mesmo pagando um pouco acima do padrão, não consigo ninguém”, desabafa João Santiago, dono do pequeno comércio.
Rui Santos, que é dono de uma oficina em Loures, enfrenta um problema semelhante. Ele já teve que recusar novos clientes por falta de funcionários.
“Antigamente, eu procurava mecânicos experientes. Agora, eu só quero quem esteja disposto a aprender”, explica ele.
Essas queixas não são exclusivas da Grande Lisboa; elas se repetem em várias regiões do país, especialmente nas áreas menos povoadas. Antes, os imigrantes ajudavam a preencher essas lacunas de mão de obra, mas desde junho não é mais permitido que quem chega sem um visto de trabalho possa ser contratado legalmente.
Portugal tem uma taxa de desemprego de 6,1%, que está apenas 1,3 pontos percentuais acima do que é considerado pleno emprego, mas a falta de trabalhadores em setores como turismo, hotelaria, restaurantes, agricultura e serviços é evidente pelos inúmeros anúncios de emprego sem resposta.
As “manifestações de interesse”, que eram um mecanismo legal permitindo que turistas começassem a trabalhar e, após 12 meses contribuindo para a seguridade social, pedissem sua regularização, foram suspensas pelo governo em junho. Agora, pequenos negócios não podem mais recorrer a essas pessoas. Em vez disso, precisam solicitar vistos de trabalho por meio de associações setoriais, que, por sua vez, pedem ao governo para abrir vagas no exterior — um processo que ainda não foi facilitado com o aumento de pessoal nas embaixadas, prometido pelo governo.
“Nem me atrevo a imaginar o trabalho que dá para contratar alguém que depois pode nem se adaptar”, lamenta João Santiago.
Além de dificultar a entrada de novos imigrantes no mercado de trabalho, o país também tem perdido trabalhadores que já estavam legalizados, muitos dos quais conseguiram cidadania ou outra forma de estabilidade jurídica. Com salários baixos em comparação ao restante da Europa, Portugal se tornou uma “plataforma giratória de mão de obra”, como explica João Carvalho, pesquisador do ISCTE e especialista em migrações. Segundo ele, poucos trabalhadores têm planos de permanecer no país por muito tempo.
A decisão do governo de acabar com as manifestações de interesse e o desejo de partidos de direita de restringir ainda mais a entrada de imigrantes estão impactando diretamente a dinâmica do mercado de trabalho. “Portugal continua recebendo contribuições para a seguridade social de imigrantes irregulares que já estão aqui”, ressalta João Carvalho, minimizando a importância das políticas públicas no controle dos fluxos migratórios. “Quando há crescimento econômico, as pessoas vêm, de uma forma ou de outra. Quando há crise, elas vão embora, como já vimos acontecer”, completa ele.
O fim das manifestações de interesse vai criar um grande contingente de trabalhadores irregulares que, embora contribuam para o sistema, não terão acesso à regularização. Além disso, imigrantes sem documentos acabam sendo atraentes para empresas, pois aceitam salários mais baixos, o que gera concorrência desleal no mercado. “Os sindicatos sempre defenderam a regularização para evitar que os salários caíssem ainda mais”, lembra Carvalho.
Por outro lado, o economista Eugênio Rosa argumenta que Portugal precisa de mais controle sobre a imigração, investindo seriamente na atração de trabalhadores qualificados e não apenas esperando que as pessoas apareçam. Ele alerta para os perigos de uma entrada descontrolada de imigrantes, o que pode resultar em desemprego entre eles e pressionar áreas como saúde, educação e moradia.
“É evidente que a nossa economia precisa de imigrantes, mas não podemos permitir que entrem sem controle, e depois enfrentemos uma situação em que eles não têm trabalho”, afirma Rosa, destacando a necessidade de uma integração humana e adequada para quem chega. Ele lembra o caso dos imigrantes timorenses que chegaram a Portugal há dois anos e acabaram em uma situação de total vulnerabilidade, após falsas promessas feitas por políticos.
O economista também aponta que muitos imigrantes qualificados não conseguem se integrar no mercado de trabalho de acordo com suas habilidades, devido à desorganização do sistema de validação de diplomas e qualificação profissional.
A solução, segundo ele, deve ser um processo gradual, evitando a abertura total das fronteiras para que a taxa de desemprego entre os imigrantes não aumente. Em algumas regiões, como o Algarve, o aumento da presença de imigrantes levou até ao apoio a partidos de extrema-direita, já que parte da população local sente que está competindo com trabalhadores dispostos a aceitar salários mais baixos.
Por fim, Eugênio Rosa conclui que a baixa taxa de natalidade de Portugal torna os imigrantes uma necessidade para manter a população ativa. Contudo, ele insiste que isso deve ser feito de forma controlada e planejada.