O velho Bruegel, o provérbio “Nadar contra a corrente” e o general Agostinho Costa | Opinião


Peter Bruegel, pintor flamengo do Renascimento, pintou alguns quadros acerca dos provérbios que então nos Países Baixos estavam em uso. Um deles, “Nadar contra a corrente”, sempre me impressionou no sentido de que a vida é muito mais que encarneirar nas ideias dominantes.

Nos oceanos mediáticos que banham o mundo, há uma esmagadora maioria de opiniões e análises que fazem uma corrente única de pensamento e que tudo varrem. Há, aqui e ali, pequenas luzes de pluralismo que, de algum modo, contribuem para que o nosso espaço de vida não seja como o faroleiro do Principezinho do Saint-Exupéry, que apenas acendia e apagava.

A invasão da Ucrânia pela Rússia tornou-se o maior acontecimento deste século pelo seu significado geopolítico e geoestratégico.

Ora, vale a pena um exercício de memória. A corrente dominante assentava na seguinte narrativa: a Ucrânia entraria para a NATO, a Rússia seria derrotada estrategicamente e o apoio à Ucrânia seria as long as it takes… A fundamentação era – a Rússia não aguentaria as sanções jamais aplicadas, as espingardas eram da 1.ª Guerra Mundial, os soldados não tinham rações e, segundo a sra. Ursula, iriam ficar sem frigoríficos porque lhes estavam a retirar os chipes para os mísseis. Os cancros de Putin eram todos péssimos.

Era o tempo em que a todo o tempo era martelada a ideia de que não havia nada a negociar a não ser a derrota da Rússia, vide Costa, Biden, Marcelo, Macron, Stoltenberg, o jardineiro Borrel e Cª. Zelensky, convencido pelo embalo ocidental, auto proibiu-se de negociar com Putin.

O general Agostinho Costa, nas suas análises, punha em relevo a quase impossibilidade de derrotar estrategicamente a Rússia e que, após a malograda contraofensiva do verão de 2023, a Rússia estava a avançar no território da Ucrânia e que a continuar assim o exército ucraniano poderia sucumbir. Quem estava certo e quem estava errado?

Outro acontecimento maior foi o genocídio atual dos palestinianos de Gaza após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023 contra os ocupantes israelitas. A uma só voz, o Ocidente correu em socorro de Israel, alegando que tinha o direito a defender-se num território por si ocupado ilegalmente. Apesar do genocídio, Israel, localizado na Ásia, continua a participar na UEFA, nos festivais da canção e outros eventos culturais. É o nosso bandido a fazer o trabalho sujo, Merz dixit.

A corrente dominante achava que Israel esmagaria o Hamas e traria os reféns de volta. Nas suas análises, Agostinho Costa sublinhava que o exército israelita, tido como o melhor da região, não estava a conseguir derrotar os combatentes palestinianos. E, até hoje, mantém-se essa impossibilidade. Quem estava certo e quem estava errado?

Devido à incapacidade de Israel de derrotar o Hamas, Netanyahu, para salvar a pele no processo judicial em que é acusado, decidiu atacar o Irão com o objetivo de derrubar o regime, aniquilar a capacidade do Irão disparar mísseis hipersónicos e atacar as estruturas onde é suposto estar a produzir urânio enriquecido. A resposta iraniana foi dura e o escudo abriu buracos por todo o lado. Entraram o spectacular B2 do imperador de Mar-a-Lago que, segundo o próprio, obliterou a capacidade do Irão. A corrente dominante alinhou com o imperador e o candidato a genocida.

Agostinho Costa chamou a atenção para a capacidade do Irão de atacar Israel e para o sucesso que Israel teve ao decapitar o regime, sem, contudo, o derrubar. Quanto ao espetacular ataque contra as instalações iranianas, era ainda cedo para tirar conclusões.

Impõe-se de novo fazer a pergunta, quem estava certo e quem estava errado? Mas, mesmo partindo do pressuposto que uma análise é uma análise e não uma certeza, é justíssimo afirmar que as análises do general estão mais conformes com o sucedido do que em desconformidade, sendo, para além do mais, devidamente fundamentadas.

A questão é, quiçá, outra: uma análise diferente, desde os primórdios dos humanos, não encaixa no sentimento da carneirada. Vai daqui por isso a minha chapelada ao senhor general. Que nunca lhe falte o espírito do velho pintor renascentista. Chapeau.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico



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