Num mundo cada vez mais complexo, as decisões políticas precisam de se apoiar em conhecimento sólido e atualizado. A ciência, enquanto fonte privilegiada de evidências pode, e quer, contribuir para melhores políticas públicas. Mas como transformar conhecimento científico em ação governativa concreta?
Em Portugal, há muito boa ciência a ser produzida. A academia é um depósito de conhecimento precioso que deve ser utilizado em benefício da sociedade. No entanto, nem sempre é fácil aceder a esse conhecimento. Muitas vezes, existem barreiras — sobretudo de linguagem e comunicação. As partes podem conversar, mas nem sempre se compreendem. De pouco serve a informação se não for corretamente interpretada; usá-la mal pode ser pior do que não a usar.
É, por isso, fundamental existirem estruturas capazes de interpretar, sintetizar e traduzir o conhecimento científico de forma acessível, para que os decisores o possam integrar de forma informada. Em Portugal, já existem instituições com esta missão, como os Laboratórios Associados, que trabalham diariamente com os melhores investigadores para expandir as fronteiras do conhecimento. No entanto, essas estruturas, pela ética e integridade que caracterizam a atividade científica, não procuram influenciar políticas — apenas apoiá-las.
A academia deve, por princípio, ser responsiva às solicitações da administração pública. E embora essas solicitações existam, poderiam ser muito mais frequentes e sistemáticas. Para que isso aconteça, é necessário quebrar barreiras e construir pontes entre os mundos da ciência e da política. Deve haver espaço para discurso direto e feedback contínuo entre investigadores e responsáveis pela formulação de políticas.
Infelizmente, muitos investigadores sentiram, no passado, que as suas contribuições caíram no vazio, por falta de retorno ou valorização. Esta falta de reciprocidade é arriscada — podemos perder o envolvimento dos melhores especialistas, incluindo os mais motivados para colaborar. Esta relação, de parte a parte, tem de ser construída, nutrida e mantida.
Acredito que o diálogo com investigadores durante o processo legislativo resultaria num enquadramento legal mais correto, mais exequível e com resultados mais benéficos para todos. Claro que é necessário garantir salvaguardas adequadas. Por exemplo, as evidências científicas podem ser analisadas por estruturas intermediárias do conhecimento (knowledge brokers — mediadores especializados que traduzem conhecimento científico para linguagem e formatos úteis à decisão) antes de chegarem aos decisores. Isto impede que um investigador tenha influência desproporcional, especialmente em áreas onde trabalha diretamente. Estruturas que intermedeiem este diálogo são essenciais para prevenir conflitos de interesse e garantir que a ciência contribui de forma isenta e construtiva.
Ao mesmo tempo, enfrentamos um preocupante processo de descredibilização da ciência. Se, no momento da decisão, alguém afirma “não acreditar nos factos apresentados”, todo o esforço pode ser comprometido. Por isso, cabe às instituições científicas a responsabilidade de divulgar o seu conhecimento de forma clara, rigorosa e compreensível. Todos nós, enquanto agentes científicos, temos o dever de reforçar a credibilidade da ciência e de estar disponíveis para contribuir para o bem comum.
Neste espírito, o Laboratório Associado Terra assumiu o compromisso de se aproximar da administração pública, promovendo uma interface estruturada entre ciência e políticas públicas (SPI – Science Policy Interface). Esta colaboração será formalizada através da assinatura de memorandos de entendimento com instituições da administração pública diretamente ligadas às áreas de atuação do Terra. Um marco importante deste percurso é o evento “Conhecimento Transformativo – Ciência e Políticas pela Terra”, a realizar-se a 27 de junho, que simboliza este compromisso e convida todos os interessados a juntarem-se na construção de políticas públicas mais informadas, eficazes e alinhadas com os desafios da sustentabilidade do planeta.
A ciência está aqui. Está disponível. E quer ajudar.
Que saibamos todos reconhecer o seu valor, fortalecer os canais de diálogo com a administração pública e construir, juntos, políticas mais justas, eficazes e sustentáveis.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico