Há uns anos, conta Mia Couto, estava para decorrer um jogo de futebol entre Portugal e Angola e o escritor foi desafiado por um amigo também escritor para irem ver a partida. Como estavam em Moçambique, o amigo disse-lhe: “Eh pá, vamos assistir a isso num bar, porque eu quero ver os moçambicanos todos a gritarem por Angola.” Puro engano. Os moçambicanos no bar estavam todos a favor de Portugal. O episódio vale o que vale, mas Mia Couto usa-o como exemplo de uma relação em que “não há ressentimento”, nem o “desejo de pedir contas de nada”.
Daniel Chapo, Presidente de Moçambique, parece de acordo. Moçambique, disse esta semana uma vez mais, não quer reparações pelo passado colonial. No seu discurso na cerimónia dos 50 anos da independência, exaltou “uma relação extraordinária” com Portugal e incluiu Marcelo Rebelo de Sousa e os portugueses na condição de “irmãos” – estimativas oficiais situam o número de portugueses a viver em Moçambique entre os 18 e os 30 mil. Ao contrário do que acontece, por exemplo, com Angola, o diálogo entre os dois países parece mais polido.
Se a estátua de Mouzinho de Albuquerque foi apeada do centro da cidade para dar lugar a Samora Machel, dependências do Millennium BCP e estações da Galp abundam pela cidade, os vinhos portugueses batem-se ombro a ombro com os vizinhos sul-africanos, há cervejas ou sumos nos cafés e nos supermercados. Ainda assim, as trocas entre os dois países são irrisórias. De acordo com a PlannApp, a agência de prospectiva e planeamento do Governo de Lisboa, em 2024 Portugal exportou em bens e serviços para Moçambique apenas 557 milhões de euros e importou 59 milhões. Boa parte das trocas de bens integra os sectores florestal e agro-alimentar. No ranking das exportações nacionais deste sector, Moçambique ocupa uma modesta 31.ª posição.
“Neste momento já há cerca de 500 empresas portuguesas a operar em Moçambique, mas há a vontade do Governo de Moçambique em reforçar essas relações económicas e empresariais e Portugal está disponível para apoiar nessa matéria”, disse numa recente visita a Maputo o ex-secretário de Estado da Cooperação Nuno Sampaio. Esse reforço foi prometido esta semana pelo Presidente da República. Marcelo informou o Presidente Chapo de que o ministro da Economia do novo Governo, Manuel Castro Almeida, vai produzir um plano para o concretizar. Não se sabe se estará pronto quando Daniel Chapo visitar Lisboa, em Julho.
Lado a lado com os negócios, Portugal é, nas contas do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa, “o principal receptor dos fundos da Cooperação Portuguesa”. Depois do escândalo dos “fundos ocultos”, um esquema de corrupção no coração do Governo moçambicano detectado em 2014, a ajuda internacional deixou de passar pelo Orçamento do Estado e faz-se através do financiamento concreto. Entre 2022 e 2026, Portugal vai investir 185 milhões de euros em projectos de cooperação.